Diário do Alentejo

Terrorista
Opinião

Terrorista

Vítor Encarnação, professor

13 de agosto 2021 - 12:30

A televisão mostrava os terroristas à hora de jantar, enquanto eu comia a sopa apareciam imagens de soldados brancos feridos e um homem dizia que os negros eram os terroristas. Eu tinha sete anos e era branco e o homem que lia as notícias e os soldados eram brancos como eu e depois aconteceu uma coisa que veio confirmar tudo aquilo que o homem dizia na televisão. O filho da minha vizinha morreu na guerra e a minha vizinha chorou muito, chorou sem parar durante muitos dias e muitas noites. A minha mãe também chorou pelo filho da vizinha e talvez já por mim. Dois anos depois o homem já não lia as notícias, mas o meu medo de negros não tinha morrido, o mal que nos ensinam permanece, o racismo que nos transmitem persiste. Entrei na camioneta da carreira, ia cheia, os meus tios sentaram-se onde puderam, o revisor disse-me que havia um lugar lá mais atrás, vai que a tia está aqui, vamos todos na mesma camioneta, percorri o corredor e quando vi onde me tinha de sentar comecei a chorar. O homem da televisão lia as notícias, o filho da minha vizinha estendia-me os braços e a minha vizinha puxava-me, dizia-me para não ir, meu rico filho não vás, não vás para a guerra. E eu não fui, voltei para trás, tia, tia, está ali um terrorista. O que se ouve a comer a sopa custa a desaparecer. É preciso ter muito cuidado com o que dizemos quando as crianças comem a sopa no remanso do nosso lar.

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