Diário do Alentejo

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Luís Godinho, jornalista

12 de agosto 2021 - 12:10

Em 1900 estava o Reino de Portugal dividido em 21 distritos, dos quais 17 no território continental – por essa altura, Setúbal ainda não era distrito autónomo estando integrado, tal como Alcácer do Sal, Grândola e Santiago do Cacém no de Lisboa. O concelho de Sines só seria restaurado em 1914, já depois de consolidada a República. Nesse ano de 1900, o Instituto Nacional de Estatística (INE) ainda não existia. Mas no seu lugar funcionava a Direção Geral da Estatística e dos Próprios Nacionais, organismo dependente do Ministério dos Negócios da Fazenda (o equivalente ao atual Ministério das Finanças) que se empenhou em fazer o Censo da população portuguesa. E o que nos diz esse censo de há 120 anos? Diz-nos, por exemplo, que no distrito de Beja, cuja configuração era idêntica à atual, habitavam 163 612 pessoas, mais 19 202 do que no último Censos, realizado em 2020, e cujos resultados preliminares foram agora publicados pelo INE. Note-se que a esperança média de vida à nascença não ia além dos 35 anos, quando atualmente é superior aos 80 anos. A capital de distrito, naturalmente, era o concelho mais populoso (25 332 habitantes), mas em Mértola viviam 18 576 pessoas, três vezes mais do que atualmente. Concelhos como Almodôvar, Alvito, Barrancos ou Ourique perderam neste período de tempo metade da população. Mais duas notas: em Aljustrel residem agora mais pessoas do que em 1900 (mais 545) e em Castro Verde a perda populacional não foi tão acentuada. Com estes dados chegamos facilmente a três conclusões. A primeira é que o Baixo Alentejo está mergulhado, desde há muito, num “longo inverno” demográfico, com a agravante da perda de residentes ter sido acompanhada, em particular nas últimas décadas, por um acentuado envelhecimento da população: o número de nascimentos é muito menor do que o de mortes. Uma segunda conclusão advém do facto de a capital de distrito ter agora mais 8069 habitantes do que em 1900. Ora isto, num cenário de perda populacional em todo o Baixo Alentejo, só pode significar uma concentração maior em Beja feita à custa do despovoamento dos municípios mais periféricos em relação ao centro da região. Ou seja, todo o Baixo Alentejo perdeu habitantes, mas os concelhos mais periféricos perderam muito mais, à exceção de Odemira, onde se têm fixado milhares de imigrantes contratados pela agricultura intensiva ou pelo turismo. Terceira conclusão: em concelhos onde há oferta de emprego, como é o caso dos municípios mineiros de Aljustrel ou Castro Verde, o número de residentes mantém-se estável (embora com uma população muito mais envelhecida). Como muito bem resume a geógrafa Fernanda Cravidão, a imigração, por si só, não é suficiente para estancar o despovoamento, explicado em grande medida pela “ausência de um modelo de desenvolvimento” para a regiões do interior. Diz esta professora da Universidade de Coimbra: “A agenda política tem de olhar para isto de outro modo". O “outro modo” de olhar “para isto” é criar as regiões administrativas. Sem elas não será possível inverter este já longo ciclo de despovoamento.

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