Diário do Alentejo

Funcheira
Opinião

Funcheira

Luís Godinho, jornalista

05 de agosto 2021 - 14:50

Em 1603, Jaime VI da Escócia torna-se também rei de Inglaterra e muda de casa, passando a viver em Londres. A mudança de ares não foi propriamente pacífica, tendo começado com duas conspirações para o arredar do poder. Escapou. Como também escaparia, dois anos mais tarde, a uma outra tentativa de assassinato. Na noite de 4 para 5 de novembro, um tal de Guy Fawkes foi apanhado em flagrante quando já tinha armazenado 36 barris de pólvora numa cave do parlamento, com os quais se pretendia ver livre dos deputados e, claro, da família real: “não apenas da minha pessoa, da de minha esposa e também da posteridade, mas também de todo o estado em geral”, escreveu o próprio Jaime. Fawkes acabou executado, na companhia de outros comparsas. A vida do rei não foi fácil. Terá sido por isso que um belo dia, em 1616, Jaime I de Inglaterra e VI da Escócia cunhou uma expressão que ficaria célebre: “no news is better than evil news” (qualquer coisa como “a ausência de notícias é melhor que as más notícias”). A frase evoluiu e hoje o “no news is good news” (“não haver notícias é uma boa notícia”) é frequentemente empregue a propósito das mais variadas circunstâncias. Sucede que isso nem sempre é verdade. Na frente ferroviária, por exemplo, a inexistência de notícias no que diz respeito ao Baixo Alentejo está longe de constituir uma boa notícia. O Plano Ferroviário Nacional, que irá enquadrar o investimento na ferrovia nos próximos 10 anos, está em fase de discussão pública – ontem realizou-se uma sessão na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, à semelhança do que está a ser feito por todo o País. Mas a verdade é que os projetos até agora conhecidos não trazem nada de novo para o Baixo Alentejo. Deles consta a eletrificação do troço entre Casa Branca e Beja, que permitirá encurtar o tempo de viagem até Lisboa, mas subsiste a ausência de qualquer compromisso relativamente à reativação da linha entre Beja e Funcheira, que permitiria ligar as linhas do Alentejo e do Algarve, conferindo ainda "redundância na ligação ferroviária do porto de Sines às regiões centro e norte de Portugal e à fronteira com Espanha", que atualmente depende de uma única via. Contas feitas, a eletrificação da linha entre Beja e Funcheira, mais a supressão das passagens de nível, a construção de pontos de cruzamento para comboios de mercadorias e a renovação da via junto a Ourique custará qualquer coisa como 77 milhões de euros (ou 86 milhões se a linha for projetada para permitir a circulação de comboios a 200 quilómetros por hora). Trata-se de uma gota de água num oceano com mais de 10 mil milhões de euros que o Plano Nacional de Investimentos (PNI) prevê para os transportes ferroviários. Estando assumida a execução da modernização do troço Casa Branca/Beja, importa sublinhar que a reabertura das ligações à Funcheira é absolutamente decisiva para a mobilidade no Baixo Alentejo e pugnar pela sua inscrição na versão final do Plano Ferroviário Nacional, que só será definitivamente “fechado” lá para final do ano.

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