Diário do Alentejo

Maniqueísmos
Opinião

Maniqueísmos

Luís Godinho, jornalista

23 de julho 2021 - 11:05

Poucas coisas na vida são a preto e branco. Bom, há algumas que o são. Um racista é sempre um racista. Tal como um fascista, um homofóbico, ou um pedófilo, por exemplo, serão sempre fascistas, homofóbicos ou pedófilos. Na vida pública, isto é, no espaço político-social, nem sempre é fácil evitar maniqueísmos que distorcem a realidade e nos tendem a empurrar para um ou outro campo, na defesa intransigente de uma ou outra posição. O mundo, pelo contrário, não é a preto e branco.

 

É verdade que o funcionamento das fábricas que se dedicam à queima de bagaço de azeitona (como a das Fortes, mas também a de Alvito, onde tenho casa, onde voto e onde pago impostos) acarretam importantes impactos ambientais – não podemos querer promover uma região como guardiã de uma paisagem ambientalmente sustentável, quando essa paisagem é marcada pelo lançamento na atmosfera de grandes quantidades de fumo, a maior parte das vezes de forma ininterrupta ao longo dos dias e das semanas; nem podemos esconder que o cheiro que acompanha esse fumo é profundamente incomodativo para quem vive nas proximidades dessas fábricas, podendo até estar na origem de alguns problemas de saúde.

 

Em resumo: as fábricas de queima de bagaço de azeitona poluem a atmosfera e prejudicam em muito a qualidade de vida de quem habita nas proximidades – que o digam as populações das Fortes, ou de Cuba, ou de Alvito, sobretudo quem tem frequentemente de se deslocar à estação de caminho-de-ferro para apanhar o comboio.

 

Sendo isto uma evidência, a verdade é que no caso deste tipo de indústrias há outros fatores que têm de ser seriamente ponderados, sob pena de se criarem problemas sociais gravíssimos: em qualquer destas fábricas trabalham dezenas de pessoas, que delas dependem para assegurar a sua subsistência familiar.

 

Dito de outro modo: há dezenas de pessoas, muitas delas demasiado novas para se reformarem e outras sem idade para recomeçar um percurso profissional, cuja vida depende do funcionamento destas fábricas, por mais poluentes que elas sejam. No caso de Alvito, então, o problema é substancialmente mais grave: trata-se de um dos maiores empregadores de um concelho despovoado, envelhecido e sem ofertas de emprego.

 

É por isso que notícias como a que o “DA” adiantou na passada semana – “fábricas de bagaço de azeitona podem ter os dias contados. EDIA avança com unidades de recirculação de subprodutos” – e que hoje retoma, não podem ser lidas sem preocupação. Há muitas famílias cuja subsistência depende do funcionamento destas fábricas. Como há muitas famílias que se sentem, e são, prejudicadas pela sua laboração.

 

Encontrar uma solução que agrade a todos, isto é, que promova o ambiente e a qualidade de vida das populações mas que não esqueça os trabalhadores destas fábricas, não deverá ser difícil, sobretudo em tempos como os que vivemos, em que a bioeconomia é uma das traves mestras do novo ciclo de fundos comunitários.

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