Diário do Alentejo

A morte é caprichosa
Opinião

A morte é caprichosa

Vítor Encarnação, professor

22 de julho 2021 - 16:35

A morte devia respeitar o princípio da cronologia, à morte não devia ser concedido o direito de ser anacrónica, arbitrária, juíza em causa própria, não devia poder tomar para si as vidas que lhe apetece, quando lhe apetece. Mesmo sabendo nós que ninguém cá fica, as partidas não seriam tão dolorosas, tão incompreensíveis, tão injustas, e a vida e a morte, o princípio e o fim, e tudo o que está entre os dois, seriam mais razoáveis, seriam mais fáceis de perceber. Se a hora da nossa morte não fosse tão incerta, cada um de nós sabia que não morreria enquanto os mais velhos não morressem. E quando eles partissem, depois de terem vivido o tempo que lhes coube, a geração seguinte preparava-se para viver a derradeira etapa. Assim é que deveria ser se a morte não fosse tão caprichosa. Dentro de cada comunidade, a falta que se sente de quem morre é uma coisa mais comunitária, mais próxima, menos urbana, quanto menor é a terra, maior é a noção de perda. Já que existe um fim ao qual não se escapa, era justo que ninguém morresse antes de ter vivido tudo, era correto que nunca os mais novos partissem antes dos mais antigos, nenhuma pessoa que viveu pouco partisse antes de outra que já viveu muito, nenhum filho antes dos pais, nenhum aluno antes do seu professor. Para um professor, para alguém que ensina a raiz da existência, um seu antigo aluno será sempre uma eterna criança a sorrir.

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