Diário do Alentejo

Distrações
Opinião

Distrações

Luís Godinho, jornalista

22 de julho 2021 - 15:40

Há tipos distraídos. Ainda assim, poucos como John Archibald Wheeler, um norte-americano nascido em Jacksonville, na Florida, que trabalhou com Albert Einstein, tendo sido um dos pioneiros da teoria da fissão nuclear. Reza a lenda que o bom do Wheeler andava a trabalhar no projeto para desenvolver a bomba de hidrogénio quando, corria o mês de janeiro de 1953, deixou esquecida uma pasta com documentos na casa de banho do comboio onde viajava, a caminho de Washington. Por documentos entenda-se um conjunto de fontes e de detalhes técnicos sobre o desenvolvimento da bomba “h”. Não faltam teorias sobre o destino dos papéis, sendo que a mais certeira deverá ser a mais simples: alguém olhou para os rabiscos, agarrou nas folhas e atirou-as fora.

 

Vem a história a propósito de alguns Wheeler’s que circulam pelo espaço público, suficientemente distraídos com o acessório para se preocuparem com o essencial. Vamos a alguns exemplos. Primeiro: dizem as Nações Unidas que o mundo precisa de reduzir a produção de combustíveis fósseis em seis por cento ao ano para limitar o aquecimento global a 1,5°C, sendo que Inger Andersen, diretora executiva do programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, considera mesmo que os governos “devem aproveitar a oportunidade para direcionar as suas economias e sistemas energéticos para longe dos combustíveis fósseis, e construir melhor rumo a um futuro mais justo, sustentável e resiliente". Um contributo importante nessa transição para uma mobilidade sustentável é incentivar a disseminação dos veículos elétricos. Sucede que os carros elétricos, embora não emitam gases poluentes e estejam “adaptados ao futuro descarbonizado”, só funcionam com baterias de lítio. O problema é quando se torna viável a abertura de uma mina de lítio, possibilidade logo rejeitada por justas razões ambientais.

 

Outro exemplo: provenientes de recursos da natureza capazes de se regenerar, sendo assim inesgotáveis, como o sol, o vento, a chuva ou as marés, as energias renováveis constituem uma aposta ambientalmente sustentável, na medida em que não geram grandes impactos, não emitem CO2, nem esgotam os recursos naturais. Segundo dados da Rede Elétrica Nacional (REN), entre janeiro e dezembro de 2019, 51 por cento da energia usada em Portugal foi renovável, colocando o País no ‘top’ mundial da incorporação de energias renováveis na produção de eletricidade, apenas ultrapassado pela Dinamarca, Uruguai, Irlanda e Alemanha.

 

Boas notícias? Depende. Olhando para os indicadores estatísticos e para as prioridades ambientais são, de facto, boas notícias. Se o que estiver em causa for o acessório, como a instalação de uma central fotovoltaica num qualquer local perto de si, lá surgem inúmeros problemas e constrangimentos, de natureza ambiental ou paisagística. Poderia invocar muitos outros exemplos, mas o essencial é isto: todos perdemos quando nos focamos no acessório, deixando de lado o que verdadeiramente importa.

 

A redução do consumo de combustíveis fósseis e o investimento nas energias renováveis constituem apostas ambiental e economicamente sustentáveis. São áreas em que o Baixo Alentejo tem enorme potencial.

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