Diário do Alentejo

As dificuldades crescentes do SNS para responder à pandemia
Opinião

As dificuldades crescentes do SNS para responder à pandemia

Eugénio Rosa, Economista

22 de julho 2021 - 11:30

O País enfrenta uma grave crise de saúde pública causada pela covid-19 que está a determinar uma grave crise económica e social, e grande insegurança em todos os portugueses que temem pelo seu futuro e dos seus familiares, e que põe em risco a recuperação económica, condenando-o ao atraso e retrocesso. Nesta luta contra a grave crise de saúde pública, económica e social, e contra a insegurança generalizada que domina toda a população, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um fator chave. Dotá-lo dos meios necessários, quer financeiros, quer humanos, devia ser a principal preocupação do Governo. Mas o que assistimos é precisamente o contrário como prova a execução do orçamento do SNS até maio/2021 que o Ministério das Finanças, através da Direção-Geral do Orçamento (DGO) acabou de divulgar.

 

A obsessão do défice continua-se a sobrepor-se à necessidade de defender a saúde dos portugueses, pois o governo continua a recusar dotar atempadamente o SNS dos meios que este necessita para enfrentar a grave crise de saúde pública, pois a pandemia continua a alastrar no País. E não são as previsões irrealistas e otimistas do Banco de Portugal, de Mário

 

Centeno, sobre a economia portuguesa nem a “bazuca” que alteram a realidade.

 

Em plena pandemia, o Governo aprovou um orçamento para o SNS em 2021 que é profundamente irrealista e mostra a pouca preocupação que lhe merece a saúde pública e, por arrasto, a profunda crise económica e social em que o País está mergulhado devido à covid-19. Os dados que foram divulgados pela DGO referentes à execução do Orçamento do Estado nos cinco primeiros meses de 2021 (até maio) revelam que a despesa total, em 2020, do SNS foi 11.454 milhões de euros, e a prevista para 2021 é apenas de 11.604 milhões euros, ou seja, só mais 1,3 por cento.

 

Se compararmos a despesa nos cinco primeiros meses de 2021 com a dos cinco primeiros meses de 2020, conclui-se que ela aumentou em 7,2 por cento, portanto um ritmo de crescimento percentual 5,5 vezes superior ao previsto no orçamento do SNS aprovado pelo Governo e que é de apenas 1,3 por cento. E com o reduzido aumento de receita de receita do SNS previsto para 2021, o próprio Governo previa um défice de 89 milhões de euros para este ano. Este irrealismo das previsões, associado a transferências ainda menores de fundos nos primeiros cinco meses de 2021, quando comparado com igual período de 2020 (- 2,5 por cento), determinou que, só nos cinco primeiros meses do ano, o SNS acumulou um saldo negativo de 377 milhões de euros, que é 4,2 vezes superior ao défice previsto no orçamento do SNS aprovado pelo Governo para todo o ano de 2021.

 

Se se mantiver o ritmo de crescimento do défice verificado, o SNS terminará este ano com um enorme défice de 904,8 milhões que se adicionará à enorme divida que já tem aos fornecedores privados como se mostrará seguidamente utilizando também dados divulgados pelo próprio Governo. É assim também que se destrói o SNS e se promove o negócio lucrativo privado da saúde em Portugal.

 

A divida das entidades do SNS aos fornecedores privados com mais de 90 dias é apenas uma parte da dívida total do SNS. E é só esta que é divulgada na informação mensal sobre a execução do Orçamento do Estado. Entre dezembro de 2020 e maio de 2021, a divida do SNS com mais de 90 dias aumentou de 176 milhões para 524 milhões de euros, ou seja, 197 por cento (2,8 vezes). Mas esta é apenas uma parte (menor) da dívida total do SNS a fornecedores privados. Segundo dados divulgados no Portal da Transparecia, a divida total do SNS a fornecedores privados aumentou, entre dezembro de 2020 e maio de 2021, em cinco meses apenas, de 1.516 milhões para 1.907 milhões de euros. Trata-se de um aumento e de uma dívida enorme que põe em causa o próprio funcionamento do SNS, e que o coloca à mercê dos privados que têm assim com um enorme poder para impor condições e preços ao SNS, já que este está sufocado com dívidas.

 

A dívida total de 15 das 55 unidades de saúde do SNS somava já, em maio de 2021, o valor de 1,04 mil milhões de euros. Como é que o Governo pode dizer que está a dotar o SNS dos meios que ele necessita para defender a saúde dos portugueses, assegurar a recuperação económica do País e reduzir a dramática situação social se obriga o SNS a este enorme endividamento para continuar a funcionar com as dificuldades que são conhecidas? Se juntarmos a isto, a saída de muitos dos melhores profissionais do SNS para o setor privado, atraídos por melhores remunerações e melhores condições de trabalho, o que está a criar graves problemas a muitos hospitais públicos, já que o atual Governo adiou mais uma vez a introdução da exclusividade com base numa carreira atraente e remunerações dignas para os profissionais de saúde, é-se levado a concluir que este Governo, dominado pela obsessão do défice, o que está a fazer objetivamente (não estou a avaliar intenções) é contribuir para destruir o SNS e promover o negócio privado da saúde em Portugal que já é dominado por cinco grandes grupos (Luz, CUF, Lusíadas, Trofa e GHPA). Quem tem a coragem na Assembleia da República de pôr um travão a esta destruição do SNS? É a questão final que aqui deixo para reflexão dos portugueses. Na discussão do Orçamento do Estado para 2022 ficará claro quem defende o SNS.

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