Diário do Alentejo

Elegância
Opinião

Elegância

Vítor Encarnação, professor

01 de julho 2021 - 14:05

Há pessoas que até na decadência são elegantes. Mesmo que o corpo se torça, se desmanche e sucumba, a doença os corroa e a vida se vá finando, mesmo que os ossos já não aguentem o peso da carne, o pensamento já não aguente o peso da memória e os olhos já não aguentem o peso da luz, mesmo que as mãos estejam vazias e secas, as bocas sejam buracos calados sem dentes, mesmo que os braços caiam e as pernas percam as forças, os ouvidos já não ouçam nada a não ser uma espécie de silêncio riscado, mesmo que andem a todas as horas de mão dada com a morte, há pessoas que se mantêm distintas. Há nessa atitude perante a desgraça uma nobreza apenas reservada a algumas pessoas, a dignidade sobrepõe-se sempre à desdita, nunca a deixa dominar, a fineza de espirito impera sobre a desgraça, nunca a deixa chorar em público, em público não há estados de alma, em público impõe-se o caráter e a hombridade. O casaco por cima dos ossos, o cabelo pintado por cima do esquecimento, a camisa por cima da dor, o vestido novo por cima de um cancro, o batom por cima da palidez, os sapatos por cima dos pés para a cova. Há pessoas que são verticais mesmo quando tudo nelas se vai desmoronando. Mesmo quando o fim se aproxima, mesmo quando a última chama se vai extinguindo e o último sopro está para breve, há algo de magnânimo que as distingue: a forma frontal como olham e como põem o queixo na hora da morte.

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