Diário do Alentejo

Dor
Opinião

Dor

Vítor Encarnação, professor

11 de junho 2021 - 15:00

Não sei onde deixar a dor, dizia o homem sentado na esplanada. Já perdi a esperança de me ver livre dela, há anos que este fado dura, eu já não sou novo e a dor é da minha idade, desde que me lembro de ser gente que ela anda dentro de mim, se calhar já nasceu comigo, a minha avó bem queria que me levassem à bruxa, levem-no à bruxa, o moço tem uma coisa ruim dentro dele, este moço não vai ter bom fim, depois essa coisa cresceu comigo e quanto mais eu pensava mais ela doía, o pensamento acendia a dor, o pensamento alimentava a dor, o pensamento agoniava de dor. Tentei desfazer-me dela nas noites de felicidade, bebia, dançava, ria, não me preocupava com nada, levava-a para um sítio longe e depois fugia, havia noites felizes em que não ia para casa para que ela não me pudesse encontrar, mas no outro dia de manhã lá estava ela a acordar a meu lado e a apertar-me novamente. Tentei deixá-la na poesia, raspava o pensamento até ao osso, limpava o sofrimento até não sentir mais nada e prendia a dor na folha, amarrava-a com palavras fortes e fechava o caderno, mas no outro dia lá estava ela outra vez a reescrever tudo dentro da minha cabeça. Tentei desmontá-la através da razão, aprendi técnicas de autodomínio, desvalorizei as emoções, vivi um dia de cada vez, mas quando dei por mim, foi só ficar um bocadinho sozinho, já a dor andava novamente rondando a ideia. O melhor será mesmo ir à bruxa.

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