Diário do Alentejo

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Luís Godinho, jornalista

11 de junho 2021 - 10:45

Foi há duas semanas que o email chegou à redação do "Diário do Alentejo": estava em marcha a convocatória de uma manifestação contra a insegurança em Beja. Nada de racismo ou de xenofobia, está-se mesmo a ver, apenas uma manifestação contra casos de violência ocorridos na cidade. Depois, noutro email, de outro remetente, lá vinha o relato de episódios como o de um imigrante - e imigrante é a palavra a registar - que teria entrado na casa de banho das alunas, numa qualquer escola da cidade, ou de outros três - imigrantes, claro - que teriam fechado uma rapariga numa loja de conveniência. Tudo dado como certo. Queixas na PSP? Nenhumas. Alarme nas redes sociais? Algum. É o sinal dos tempos. Com base em troca de mensagens através do Facebook ou do Instagram, com os extremistas de direita a alimentar a ficção para venderem o discurso de ódio, lá estava em marcha a dita manifestação contra a insegurança em Beja por causa de casos de violência relativamente aos quais não há qualquer registo. Já me esquecia: no meio de tudo isto houve também um comunicado da JSD a exigir mais polícia nas ruas devido a "casos de assédio, tentativas de violação, entre outros acontecimentos de que Beja tem sido palco nos últimos tempos". Provas? Nenhumas. Algum dado a sustentar a afirmação? Nada. O presidente da Câmara de Beja apontou, e bem, que se esperava este tipo de discurso "pela via de outros partidos radicais de direita que não por via da JSD que assim opta por entrar numa deriva radical". Assunto encerrado? Claro que não. A manifestação continuava agendada, apenas não se tendo realizado devido à atuação eficaz, porque atempada e oportuna, do superintendente Raul Glória Dias, comandante de Beja da PSP. Diga-se, em abono da verdade, que no email onde se comunicava o cancelamento da iniciativa, os promotores referiam não ter qualquer intenção racista ou xenófoba. Mas, como bem lembrou Glória Dias, num conjunto de entrevistas, "a sede para resolução deste tipo de questões não são as redes sociais, mas sim junto das forças de segurança” e "associar criminalidade aos imigrantes é criar um problema que não existe”. Entre a muita literatura existente sobre o assunto, aconselho a leitura de um pequeno livro editada em maio deste ano pela Fundação Francisco Manuel dos Santos: "Racismo, Hoje. Portugal em Contexto Europeu", da autoria de Jorge Vala, investigador emérito do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Está lá tudo. A começar pelos resultados de diversos estudos, “difíceis de aceitar pelas elites políticas, por comentadores ou redes intelectuais”, mas que não deixam grande margem para dúvida: há um preconceito racial evidente em largos setores da sociedade portuguesa. Realizado em 2019/2020, o estudo “European Social Survey – Portugal” indica que 40 por cento dos inquiridos partilha a crença na superioridade de “umas raças relativamente a outras”. Ou seja, como resume Jorge Vala, “expressam racismo biológico”. É um fenómeno que urge combater em todas as frentes. Antes que os sinais, como os que agora surgiram em Beja, resvalem para outros terrenos.

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