Diário do Alentejo

Carta de defesa histórica
Opinião

Carta de defesa histórica

Miguel Borrela, médico

04 de junho 2021 - 10:55

Conflito de interesse: filho de Leonel Borrela (1955-2017). Defesa de legado histórico de quem já não se pode defender. Fundamentação: a sua obra única e a obra de outros nomes incontornáveis (tudo documentado). Visados: Dr. José António Falcão em particular e todos os que não respeitam o legado histórico, em geral.

 

Meus caros, senhores da cultura,

Dr. José António Falcão,

 

O que sai do prelo e acresce na fortuna crítica, na temática das Cartas Portuguesas, de Mariana Alcoforado, em pleno século XXI e, ainda mais, em 2021, tem o dever ético, moral e histórico de abordar a obra de Leonel Borrela. Desafio-o a si, ou a qualquer outro investigador na matéria, a apresentar um nome, associado a esta temática, que tenha investigado, publicado, divulgado, ilustrado, enriquecido nas várias correntes artísticas (aguarela, gravura, desenhos, filatelia, etc.), cativado, assessorado professores, alunos, encenadores, atores, grupo de ópera, mestrandos e doutorados, visitantes do museu, até colecionado e por fim apaixonado, como Leonel Borrela. A sua obra é holística, única e ímpar ao longo dos mais de 350 anos das Cartas, tendo sido explanada no Congresso Internacional Mariana Alcoforado onde não esteve presente.

 

Sei que custa às vertentes académicas e suas vicissitudes de ego bem conhecidas, admitir que um artista e historiador multifacetado, alheio aos circuitos académicos, de profundo conhecimento empírico, de campo, do terreno, previamente à sua licenciatura, tenha demonstrado cultura e saber incomuns.

 

Tendo partilhado cultura consigo, apenas tem uma única linha na referência bibliográfica do seu livro “Cartas Portuguesas Sor Mariana Alcoforado (Atribuídas)”, editado agora em Espanha. Já o li e revi, muito há a dizer e, não só, sobre Leonel Borrela. Defenderei outros nomes incontornáveis. Vamos a factos:

 

1 - O livro “Cartas de Soror Mariana Alcoforado antecedidas Das Lettres Portugaises e Mariana Alcoforado” de Leonel Borrela foi reeditado em 2019 no âmbito do congresso, com correções e acréscimos que o autor “deixou” em vida. Apenas refere 2007. Omissão consciente? E os, mais de 200, artigos culturais “Iconografia Pacense”, publicados no “Diário do Alentejo", alguns sobre as Cartas, quer fazer-lhes um palimpsesto? Um deles a explicar a estória do poema de Fernando Pessoa sobre Mariana, transcrito no seu livro com erros. Ilustrações? Exposições? Palestras? Colóquios? Conferências?

 

2 – Falemos de exposições. Na sua bibliografia faz questão de referir que foi diretor da exposição “Por detrás das Grades”, em 2002, nas comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Certo e correto, foi diretor. Quem organizou a exposição na temática das Cartas, quem apresentou ao Presidente da República Dr. Jorge Sampaio a mesma? A arte sacra e, muito bem, ficou a seu cargo, mas a Mariana Alcoforado ficou a cargo de Leonel Borrela, como bem sabe e como muitos presentes “in loco” sabem. Mais, a exposição intitulou-se “Do outro lado da Grade Soror Mariana Alcoforado e as Cartas Portuguesas”. Portanto, não a coloca na bibliografia de Leonel Borrela porque…ainda diz numa entrevista promocional (23/04/21) o seguinte: “…organizei uma exposição em Beja sobre as Cartas…”. Memória seletiva do “eu”; não será, “organizámos”? Leonel Borrela prefere referir no seu livro (página 74) a palavra “colaborámos”.

 

3 – O trabalho de mestrado de Marina da Silva Mota de 2015 pela Faculdade de Belas Artes do Porto (Fbaup), que refere na bibliografia, foi anulado por plágio identificado no congresso. A Dra. Regina Silvestrini foi a autora do trabalho original e pioneiro, intitulado “Da paixão ao abandono: uma leitura das Cartas Portuguesas e das litografias de Henri Matisse”, datado de 2008, no âmbito da sua dissertação de mestrado em Letras na Universidade Estadual de Maringá, Brasil. Aliás, o plágio foi duplamente grave, visto que as frases de Leonel Borrela (assessorou e definiu o tema) citadas no trabalho original foram plagiadas, retirando a citação do próprio. Não há dúvidas, estivemos na reunião na Fbaup.

 

4 – Coloca o romance de Margarida Rebelo Pinto, nada contra, mas não coloca o romance internacionalmente conhecido “Mariana” de Katherine Vaz, escritora luso-americana. Sabe que a autora esteve em Beja, reconhecendo a assessoria fundamental de Leonel Borrela, incluindo uma gravura temática do mesmo na ilustração da capa do livro. Refere Abelardo e Heloísa. Conhece o trabalho “Escrita íntima na clausura: Abelardo, Heloísa e Mariana Alcoforado - Epistolografia e Autobiografia” da Dra. Patrícia Tavares de Azevedo?

 

5 – Nunca cita ou refere a sua obra única da página 13 até à página 81, da sua “Introducción Y Notas”; um parágrafo que seja, nem nas suas entrevistas, nunca. Nem refere que houve um Congresso Internacional em Beja, com uma nova retroversão das Cartas publicada em 2020. M.ª Jesús Fernández refere traduzi-las a partir de uma tradução sua, onde está publicada? Mas não só, conhece Luís Cardim? (nem na bibliografia); se fala de Green e Gonçalves Rodrigues, defensores de Guilleragues, não fala da defesa mariânica de Luís Cardim, porquê? Apenas uma frase para António Belard da Fonseca, enfim.

 

6 – Fala de Freud três vezes, por analogia óbvia, claro, mas e o Dr. Asdrúbal d’Aguiar e o seu “Masochismo Psychico” (nem na bibliografia). Cita a análise psicológica no trabalho de Mónica Alexandra Santos, de 2006, e veja lá quem aparece nos agradecimentos?

 

7 – Quando fala do contexto de Beja e a linha defensiva do Guadiana, não seria interessante uma nota sobre o trabalho original dos Fortins do Guadiana, de Leonel Borrela. As pontes e ramificações continuam nas várias áreas, mas parece que só publicou um livro em 2007? E as peças de teatro internacionais de Lisa Forrel e Myriam Cyr? E a conferência no Museu Nacional de Arqueologia? E o colóquio com Maria Teresa Horta? E as…, basta!

 

8 – Na dita entrevista de 23/04/21: “José António Falcão que, desde 1984, se interessa…De início, confesso, duvidei da consistência histórica da narrativa, achei-a uma excecional ficção literária…Ao aprofundar esta hipótese, apercebi-me de que estava errado...Em 2002…organizei uma exposição em Beja sobre as Cartas. Isto levou-me a pesquisas…”. Apenas digo, em 1984 já Leonel Borrela tinha aprofundado e cativado.

 

9 – Nos “Terras sem Sombra” (excelente festival, não é difícil elogiar e respeitar o mérito) quando faz introduções históricas aos monumentos e igrejas, tem tendência a mais um palimpsesto? Só põe na bibliografia se for estritamente obrigatório, como na igreja de Santa Maria. Recorda-se dos trabalhos que fez com Ricardo Pereira em 96 e 98, onde a única bibliografia é de Leonel Borrela e Túlio Espanca.

 

Resumindo, a simples investigação arcaica, pouco científica, de colocar “Leonel Borrela” no Google, ramifica para Mariana Alcoforado e a sua obra. São indissociáveis. Poder-me-á dizer ‘qui pro quo’ pessoal. Respondo-lhe de antemão, não se misturam com os profissionais e, muito menos, com os históricos, factuais e documentais.

 

Muitos com quem partilhou (“deu” de “mão beijada”) todo o seu conhecimento, diria de forma ingénua, defraudaram-no. Porquê? Porque apropriavam-se, não citando no corpo textual a sua assessoria, remetendo para uma linha perdida na bibliografia ou para um agradecimento perdido em palavras e apertos de mão. O correto e justo, meus caros, era constar obrigatoriamente na ficha técnica dos inúmeros trabalhos o seguinte: “Assessoria e Revisão: Leonel Borrela”. A sua humildade não o impelia nesta exigência, eis a pura ingenuidade para circuitos académicos: deixar o conhecimento ao livre-arbítrio do autor assessorado.

 

O ‘post mortem’ da pessoa tem sido o ‘post mortem’ das referências e citações da obra única que perdura, e que alguns insistem em não valorizar. Fazendo-o, desrespeitam-se a si mesmos como pessoas, como historiadores e como Homens da cultura. Desrespeitam a História. Apelo à memória coletiva, dos nichos culturais, das gentes de Beja, do Alentejo, de Portugal e suas entidades oficiais da cultura, para que esteja atenta a estas amnésias de défice cognitivo, humano e histórico. Até porque fazer um palimpsesto de obras holísticas parece-me muito consciente, como escreveu Fernando Pessoa, “a memória é o consciente inserido no tempo”.

 

Leonel Borrela escreveu que “o prelo não podia, nem pode parar. O leitor exige”. Eu diria, exige-se respeito! Nota: consultar por favor no digital o documento na íntegra e adenda com reparos e apontamentos históricos.

 

Com conhecimento da Direção Regional de Cultura do Alentejo, ICOM Portugal e Ministério da Cultura.

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