Diário do Alentejo

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Luís Godinho, jornalista

05 de maio 2021 - 17:20

Há 45 anos, pela primeira vez, os portugueses foram chamados às urnas para eleger presidentes de câmara, vereadores e deputados às assembleias municipais. Em boa verdade, como recordamos nesta edição, em Mértola já se tinham realizado eleições autárquicas dois anos antes, logo a seguir ao 25 de Abril, uma vez que, ao contrário do que sucedeu nos restantes municípios, surgiram duas listas a disputar a liderança da comissão administrativa municipal, tenho triunfado a liderada por Serrão Martins, novamente eleito nas primeiras autárquicas disputadas em 1976. Depois de quase meio século de ditadura salazarista e marcelista, o Baixo Alentejo, tal como a generalidade do interior do país, era uma região marcada por profundas desigualdades sociais, pelo abandono, pela pobreza e pela falta de infraestruturas básicas. O abastecimento público de água ou o fornecimento de energia elétrica estavam restritos aos principais núcleos urbanos. Nos restantes, na grande maioria de vilas e aldeias, à semelhança do que sucedia na Idade Média, as pessoas continuavam a abastecer-se em fontes. No concelho de Mértola, por exemplo, só havia eletricidade na sede do município e na Mina de São Domingos. Como sublinha Júlia Serrão, na sua biografia sobre Serrão Martins, as estradas eram más, “às vezes apenas caminhos em péssimo estado, que muitas crianças tinham de fazer a pé para se deslocarem para a escola primária da povoação mais próxima”. No início da década de 80, um terço (33,2 por cento) da população do Baixo Alentejo não sabia ler nem escrever; 44,9 por cento das mulheres residentes no concelho de Ourique eram analfabetas. Quem tinha a sorte de estudar raramente o podia fazer além da quarta classe, sendo o ensino superior privilégio de uma ínfima minoria. A tarefa com que se confrontaram os novos autarcas foi ciclópica. “O dia-a-dia era essencialmente preenchido por desbloquear as situações mais prementes, com as limitações que se conhecem: abrir caminhos, para que as pessoas começassem a ganhar alguma mobilidade, tratar da manutenção das estradas e arruamentos das povoações”. Deve-se em muito ao trabalho das autarquias, simultaneamente motores para a transformação das condições de vida das populações e espaços para a afirmação de direitos, a radical transformação que se começou a operar no país, nesse já longínquo ano de 1976. É por isso que é corrente afirmar-se que o poder local democrático foi uma das mais importantes conquistas da Revolução de Abril. Resolvidas as infraestruturas básicas, os desafios que se colocam aos municípios são hoje bem diferentes, passando pela ação digital, pela transição climática, energética e ecológica que permita responder às alterações climáticas e pela capacidade de atrair e fixar populações. Como alerta o professor António Covas, “é fundamental que a digitalização territorial seja um fator genuíno de democratização e qualidade de vida e não mais um fator suplementar de exclusão social”. Para que as novas gerações, daqui a 45 anos, não tenham de lamentar o tempo perdido.

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