O trabalho, para além de fator de integração social e de realização pessoal, deveria sempre assegurar o sustento individual e familiar de todos os homens e todas as mulheres. Em Portugal, quase meio século passado do 25 de Abril de 1974, tal ainda não é uma realidade.
Ter um emprego ou um trabalho em Portugal não é garantia de sair da situação de pobreza. Foi esta uma das conclusões do estudo “Pobreza em Portugal – Trajetos e Quotidianos”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, apresentado no passado dia 12 de abril.
De todos os indicadores ao nosso dispor, o índice de pobreza é aquele que mais nos deveríamos envergonhar. É certo que Portugal, desde 1974, evoluiu em muitos dos parâmetros socioeconómicos, mas o nosso progresso civilizacional só será satisfatório quando deixarem de existir cidadãos para quem o seu salário não é garantia de fuga à situação de pobreza.
E espantem-se os mais reacionários, os que insistem em afirmar que só é pobre quem não quer trabalhar, os anti-Rendimento Social de Inserção, os anti-subsídio de desemprego, os anti-Estado-Social… Os dados não mentem: apenas 13 por cento dos pobres em Portugal não têm emprego — a maioria trabalha e um em cada três ganha pelo menos o salário mínimo. Esta situação é ainda mais chocante quando se constata que a maior parte destes trabalhadores pobres tem vínculos profissionais estáveis na mesma entidade, muitos há mais de 10 anos, alguns há mais de 20.
Conforme explica o coordenador do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, professor Fernando Diogo, outro dos aspetos preocupantes do perfil do trabalhador-pobre em Portugal é que “longe de ser um fenómeno individual, a pobreza é contextual. Estamos a falar de uma pobreza que se herda, que tende a ser tradicional e persistente na vida do indivíduo”.
É urgente quebrar esta reprodução intergeracional da pobreza. Como disse Marcelo Rebelo de Sousa no seu discurso de posse para o segundo mandato como Presidente da República: “Queremos melhor democracia, onde a liberdade não seja esvaziada pela pobreza”.
Importa refletir sobre os dados da pobreza em Portugal, particularmente quando sabemos que são, precisamente, os desfavorecidos socialmente que mais sofrem com as iniquidades geradas pela pandemia de covid-19. Pois, bem: Abril e a democracia estarão por alcançar enquanto existir em Portugal um trabalhador, um trabalhador que seja, que do seu emprego ou do seu trabalho não retire uma vida digna, satisfatória e feliz para si e para a sua família. Não há liberdade na pobreza!
(Nota: Texto escrito no passado dia 23 de abril)