Diário do Alentejo

A região-cidade da CIM do Baixo Alentejo
Opinião

A região-cidade da CIM do Baixo Alentejo

António Covas, professor catedrático

04 de maio 2021 - 15:05

Imagine o leitor, natural da vila de Vidigueira, que a Comunidade Intermunicipal (CIM) do Baixo Alentejo, confrontada com os grandes desafios desta década, decidia adotar um modelo inovador de inteligência coletiva territorial (ICT) denominado “região-cidade”, ou seja, os 13 municípios da CIM (126 mil habitantes em 2011) decidiam fazer o ‘rescaling’ da sua sub-região em linha com o modelo de federalismo intermunicipal e, através de um governo dos comuns, proporcionar aos seus munícipes uma rede integrada e alargada de multisserviços que são, em si mesmos, uma fonte fundamental de bem-estar para toda a comunidade intermunicipal.

 

1. REGIÃO-CIDADE, O GOVENO DOS COMUNS

 

Agora que se discute a descentralização e a transferência de competências para os vários níveis de administração, a região-cidade da CIM do Baixo Alentejo seria a sede privilegiada para acolher e organizar a provisão de bens e serviços comuns fundamentais, por exemplo:

 

- A oferta de mobilidade suave e transportes públicos intermunicipais;

- A oferta de infraestrutura digital, rede e prestação de serviços digitais;

- A coordenação dos serviços de rede das principais ‘utilities’ intermunicipais;

- A coordenação de medidas do plano verde, contra as alterações climáticas;

- A coordenação do abastecimento intermunicipal de alimentos;

- A coordenação de cuidados de saúde e apoio domiciliário em regime ambulatório;

- A coordenação da rede de serviços de cultura, desporto, recreio e terapêuticos;

- A oferta de rede de serviços de segurança e proteção civil contra acidentes graves;

- A oferta da rede de lojas do cidadão e outros serviços à distância;

- A coordenação da rede de serviços de ensino, emprego e formação profissional;

- A coordenação dos investimentos intermunicipais financiados por fundos europeus.

 

Todos estes serviços podem ser objeto de uma gestão agrupada, ter uma engenharia financeira própria, e a região-cidade, por intermédio de uma estrutura de missão executiva, pode desempenhar o papel de agente-principal das economias de rede e aglomeração da sub-região em benefício da respetiva comunidade. Além disso, compete-lhe promover plataformas colaborativas e comunidades inteligentes, que são fundamentais no desenho, geografia e animação do território. Seria, ainda, uma pequena revolução no universo das relações cidade-campo.

 

2. UM ESBOÇO DE PROGRAMA DE GOVERNO PARA A REGIÃO-CIDADE

 

Face aos grandes desafios desta década, e para cumprir a sua legítima ambição, o ‘rescaling’ da região-cidade do Baixo Alentejo não poderia ficar limitado pelas atribuições e competências da comunidade intermunicipal e do seu respetivo secretariado executivo. Quer dizer, a estrutura de missão designada pelo conselho intermunicipal ficaria encarregada de elaborar um programa de governo dos comuns para a década. Vejamos, então, algumas linhas desse programa de ação:

 

1) O PROGRAMA DE AÇÃO DIGITAL.

 

O programa de ação digital contemplaria o banco de dados regional, o acolhimento da estrutura de ‘start up’ regional e o respetivo espaço de ‘coworking’, o programa de literacia digital, as lojas municipais do cidadão e o lançamento de vários serviços à distância.

 

2) A COORDENAÇÃO DO PLANO VERDE INTERMUNICIPAL

 

O plano verde da região-cidade contemplaria a restauração da biodiversidade e a proteção dos solos, plantas e animais, as infraestruturas verdes e a rede de corredores verdes, a reabilitação dos ecossistemas e os serviços de ecossistema, as amenidades paisagísticas e as ações integradas de gestão paisagística, para lá da prevenção e mitigação dos efeitos das alterações climáticas.

 

3) A COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS DE INVESTIMENTO DA CIM

 

Em matéria de projetos financiados por fundos europeus e outros programas de captação de investimento, a região-cidade designaria um grupo de missão para coordenar esses investimentos (em aplicação da lei n.º 50/2018 de 16 agosto e do decreto-lei n.º102/2018 de 29 novembro) em articulação com o ICEP e o com o IAPMEI.

 

4) O LABORATÓRIO COLABORATIVO DE APOIO À ECONOMIA VERDE, ENERGÉTICA E CIRCULAR

 

Para cumprir as suas obrigações em matéria de transição climática, energética e ecológica, a região-cidade poderia considerar a criação de um laboratório colaborativo/centro operativo tecnológico para coordenar os projetos financiados no âmbito do pacto ecológico europeu onde se incluem os projetos da economia verde, energética e circular.

 

5) A PROGRAMAÇÃO E O PLANEAMENTO INTEGRADOS DO 4.º SETOR

 

O quarto setor integra não apenas a oferta de bens e serviços comuns já referidos, mas, também, a oferta social das IPSS e das ONG e, ainda, o conjunto de serviços proporcionados pela economia comunitária e colaborativa que as plataformas digitais irão proporcionar no âmbito de programas dirigidos para os desempregados de longa duração, trabalhadores temporários, precários e intermitentes e, também, os programas de envelhecimento ativo para a sociedade sénior.

 

6) PROTOCOLOS DE COLABORAÇÃO ENTRE AS CCDR/DRA/CIM/GAL E O MOVIMENTO ASSOCIATIVO DE BASE LOCAL

 

Esta é uma oportunidade única para reconsiderar as funções e o papel do movimento associativo de base local, não apenas o planeamento e gestão das ações e investimentos previstos nas medidas do Programa de Desenvolvimento Rural 2030, mas, também, as ações integradas de base local e territorial previstas na política de coesão; os protocolos de colaboração podem servir para cumprir esse propósito.

 

7) A CRIAÇÃO DA ESCOLA DE ARTES E TECNOLOGIAS

 

A interação entre as artes, as tecnologias e os novos empreendimentos será uma realidade; neste sentido, no plano de ação digital, parece sensato conciliar os calendários de seis agendas de investimento: as infraestruturas digitais do território, o plano geral de literacia digital, a digitalização da administração pública, as cidades inteligentes e criativas, a digitalização do universo empresarial de PME e a digitalização da sociedade e da economia colaborativas; a criação desta escola, à imagem da escola industrial e comercial do século XX, é uma oportunidade única e um instrumento indispensável.

 

8) A ASSOCIAÇÃO REGIONAL DE JOVENS EMPRESÁRIOS E A FORMAÇÃO EMPRESARIAL

 

No plano do rejuvenescimento socio-empresarial espera-se que as IES (instituições de ensino superior), as AEP (associações empresariais e profissionais) e as AP (administrações públicas), ou seja, os incumbentes das políticas de desenvolvimento regional, se entendam sobre a sua própria modernização e o imperativo de renovação empresarial, criando, para o efeito, associações de jovens empresários e formações empresariais muito orientadas para as atividades emergentes.

 

9) UM PROJETO POLÍTICO-CULTURAL AMBICIOSO PARA A REGIÃO-CIDADE

 

A região-cidade, para ser bem acolhida, precisa de ser um território-desejado e criativo, uma cidade-rede para o século XXI, muito próxima das populações e colocando à sua disposição uma série de bens e serviços comuns, fixos e ambulatórios, que, de outro modo, não seria possível; e, acima de tudo, precisa de ser um projeto político-cultural ambicioso que crie uma imagem de marca e sinais distintivos territoriais por via de novos conteúdos artísticos, científicos, culturais e desportivos.

 

10) UM PROJETO DE ‘SMART REGION’ AMBICIOSO DE ADMINISTRAÇÃO MULTINÍVEIS

 

A região-cidade poderia ser uma ‘smart region’ equivalente à ‘smart city’, ou seja, um território inteligente que integra várias comunidades inteligentes e respetivas plataformas colaborativas em estreita articulação com a gestão local, municipal e intermunicipal, o que implica algumas alterações na orgânica interna dos municípios, nas qualificações do seu pessoal técnico, no movimento associativo de base local e, em geral, tudo o que se refere à digitalização do território e literacia digital da população onde se incluem, também, os espaços colaborativos de incubação e ‘coworking’.

 

NOTAS FINAIS

 

A terminar, gostaria de referir, a título exemplificativo, que a CIM do Oeste (12 municípios) e a Universidade Nova de Lisboa, através da Nova IMS e do seu Urban Analytics Lab, criaram recentemente uma ‘Smart Region’ do Oeste cuja ferramenta principal é uma “plataforma analítica integrada de inteligência territorial”. Trata-se de um “projeto colaborativo de cocriação” cujos dados são obtidos a partir dos sistemas operativos públicos, das redes de sensores municipais e das várias redes de Wi-Fi disponíveis e que visa criar a base instrumental sobre a qual assentará a região-cidade, o ator-rede CIM e a sua inteligência coletiva territorial.

 

Os territórios digitais são um novo emblema das políticas do território. Vale a pena, por isso, fazer um esforço analítico no sentido de perceber melhor em que consiste e o que está em jogo quando se fala de territórios e digitalização territorial. Doravante, o governo dos comuns, a mutualização de recursos, o centro partilhado de recursos digitais, a região inteligente e criativa, a cultura do património, serão sinais distintivos da região-cidade. É fundamental que a digitalização territorial seja um fator genuíno de democratização e qualidade de vida e não mais um fator suplementar de exclusão social.

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