Diário do Alentejo

Cálculos
Opinião

Cálculos

Luís Godinho, jornalista

20 de abril 2021 - 09:30

Em várias ocasiões, neste mesmo espaço, defendi a necessidade das medidas de combate à pandemia de covid-19 não serem uniformes a todo o território nacional, mas adaptadas às realidades de cada concelho. Teria assim sido possível, por exemplo, manter algumas atividades económicas a funcionar em municípios com um número muito reduzido de casos, ao mesmo tempo que, noutros locais, com maior incidência de contágios, se fechavam restaurantes e se proibia a circulação de pessoas. Não foi esse o entendimento do Governo, nem da Direção-Geral de Saúde que, desde março de 2020 insistiram em medidas gerais para todo o território Continental: tudo metido em casa, tudo encerrado, independentemente da maior ou menor incidência da pandemia. Iniciado no passado dia 5 de abril, com o regresso à escola dos alunos do 2.º e 3.º ciclos e com a reabertura dos restaurantes, embora apenas com serviço de esplanada, as próximas fases deste desconfinamento irão, pelo contrário, decorrer a vários ritmos, com o regresso à normalidade (ainda que condicionada) dependente da evolução da pandemia em cada concelho; melhor dizendo, do número de novos casos registados nos últimos 14 dias: com mais de 120 novas infeções por 100 mil habitantes acende-se uma “luz vermelha” que aciona uma espécie de “travão” a novas medidas de desconfinamento, como a reabertura plena dos restaurantes ou das salas de espetáculos. Governo e PSD estão de acordo naquilo que Rui Rio resume com clareza: “Aquilo que entendemos que deve ser feito é, em primeiro lugar, não continuar o desconfinamento global no país. Não o fazer naqueles concelhos que estão com os indicadores de risco mais elevados e nos concelhos que têm fronteira com esses concelhos". Ou seja, medidas diferentes, adaptadas à realidade concreta de cada município. Tudo certo? Não, tudo errado. É que essa “municipalização” do combate à pandemia é apenas aparente. No fundo, todo o país continua a ser tratado da mesma forma, independentemente da realidade concreta de cada território. Dois exemplos, ainda que ridículos. Um único novo caso de infeção em duas semanas coloca Barrancos na lista de risco. Em Alvito são precisos dois. Basta, portanto, que uma família residente num destes concelhos adoeça com covid-19 para “fechar” a economia. Terá isto qualquer sentido? Em Beja são necessários 40 novos casos. Em Moura, 16. De qualquer forma, são sempre números ridículos, facilmente atingíveis em virtude da baixa densidade populacional. Como, e bem, refere João Nunes, presidente da Câmara de Barrancos, "tem de haver um indicador, tem que haver uma fórmula", mas esta "deverá ser analisada profundamente quando se trata de concelhos” com poucos habitantes e onde também é mais fácil assegurar o rastreio de contactos. Outro exemplo: entre 17 e 30 de março surgiram 65 novos casos no concelho de Moura [incidência de 474 por 100 mil habitantes, uma das mais elevadas do país]. Mas 47 pessoas recuperaram da doença. E isso já não tem qualquer peso da fórmula de cálculo utilizada para o desconfinamento.

Comentários