Diário do Alentejo

Segredos
Opinião

Segredos

Vítor Encarnação, professor

19 de abril 2021 - 17:00

Venho aqui ter contigo para falarmos de coisas que só a nós duas dizem respeito, não precisas de dizer nada ao pai, suponho que agora que estão juntos outra vez continuem a manter o mesmo tipo de relação, tu a falares pelos cotovelos, ele a pôr os cotovelos em cima da mesa e a calar-se, tu a repartires palavras como quem reparte pão, ele a comer o pão em silêncio, já quando estava vivo fazia sempre que não ouvia, já nessa altura se fazia de morto relativamente a assuntos que não lhe interessavam, nunca foi homem de se meter na vida de ninguém, a dele já lhe chegava e sobrava, mas se ele te perguntar o que eu vim aqui fazer, diz-lhe, diz-lhe que vim dizer que tenho muitas saudades dos dois. Venho aqui contar-te segredos, medos e pecados meus apenas os conto a ti, baixinho, certa de que ninguém os ouve e os espalha, ensinaste-me que os segredos não podem fazer eco, não podem cair no chão da rua, os estilhaços dos segredos podem ferir, já houve pessoas que morreram em vida quando os segredos rebentaram na boca dos outros, já houve pessoas que nunca mais renasceram, nunca te ouvi repetir nada do que te tivessem contado, tanta vizinha que desabafava contigo, tanta mágoa que tu deves ter ouvido, não importava a gravidade e a delicadeza, os assuntos morriam contigo. Hoje venho contar-te um segredo, só me atrevo a contá-lo a ti porque sei que a tua boca sempre foi um túmulo.

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