Diário do Alentejo

Fernando Pessoa e a Revolução das Liberdades!
Opinião

Fernando Pessoa e a Revolução das Liberdades!

Manuel Maria Barroso, Técnico Superior

19 de abril 2021 - 11:40

Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.

Senhor, falta cumprir-se Portugal! 

[Pessoa, Fernando. (1934). “O Infante”, in: “Mensagem”].

 

Cumprem-se este ano 47 anos da Revolução das Liberdades ou, dito de forma mais simples, da Revolução de 25 de Abril de 1974… aquela magnífica e romântica Revolução dos Cravos, da Liberdade e da Democracia.

 

Naquele ano desse abril especialmente florido, cumpriam-se, também, 40 anos da apresentação da “Mensagem” de Fernando Pessoa, poema de onde extraí os dois versos com que iniciei este texto. Permitindo-me a alguma “ousadia” e um “certo grau de liberdade interpretativa”, entendi que poderia fazer – e partilhar aqui - um muito breve paralelismo entre o sentido metafórico desse magnífico poema, onde um ousado “Infante” se configurou como um verdadeiro timoneiro da inovação e do espírito universalista dos portugueses, aliás, com todas as vicissitudes afins a um povo simples e de origens igualmente universais.

 

Através de uma dimensão estética especialmente bem conseguida, o nosso poeta parece ter antecipado o sentimento do que haveria de estar associado, também, à Revolução de 25 de Abril, traduzindo-o metaforicamente pela expressão “Cumpriu-se o Mar”, a qual parece traduzir, de forma sublime, a dignificação do nosso melhor património histórico, ou seja, a ousadia, os saberes, as competências ou mesmo a resiliência e a capacidade de superação das agruras da vida dos nossos antepassados.

 

Fernando Pessoa acrescenta, sabiamente, a ideia de “… e o Império se desfez”, remate estético que, não fosse a minha aversão a qualquer processo básico de adivinhação sem sentido racional ou de crédito científico, até se poderia interpretar como a inevitável “previsão” do fim de uma fratricida guerra colonial ou do nascimento de novos países soberanos, onde um regime caduco e autoritário viria a capitular.

 

Na verdade, no escrito de Pessoa, esse “Império” mais parece indiciar que aquela resiliência e saberes antes referidos [no “cumprimento dos Mares”] se viria a contextualizar, 40 anos mais tarde, na coragem e determinação de uns jovens “capitães” que, dando cumprimento ao sentimento generalizado do povo português em “desfazer outro Império” (este, de muito má memória!) e permitir a renovação da esperança personalista, humanista e universalista dos portugueses, também permitiram que se abraçassem tantas outras gentes, agora livres e soberanas nas suas próprias regiões.

 

De resto, esta maravilhosa circunstância civilizacional tem merecido internacionalmente o maior reconhecimento por quem ama ou aspira a uma vida em liberdade e no respeito pelas identidades pessoais e coletivas.

 

Fernando Pessoa parece querer sugerir que, frente à ideia de “e o Império se desfez”, se chegará à ideia de “e a Liberdade se conquistará!”: - Eis a Revolução de 25 de Abril de 1974”, aqui igualmente identificada pela expressão “Revolução das Liberdades”, a qual não poderia ter melhores fundamentos. O uso da palavra “liberdade” no plural [“liberdades”] é mesmo deliberado, pois a liberdade decorre da ideia de pluralidade, de inclusão, de diversidade (qual heterónimos do poeta!) e da harmonia de muitos singulares… ou melhor… da singularidade das liberdades individuais, entendidas estas como conceitos completos, onde as identidades individuais se conjugam, de forma harmónica, com a diversidade.

 

Mais não fosse pela recordação desse romântico movimento de Abril de 1974, creio ser devido este “agradecimento” ao sentido estético de Fernando Pessoa.

 

A conjugação do fim de uma sangrenta guerra fratricida e a conquista da liberdade (dos portugueses e dos povos hoje livres de um sistema político colonizador) e o anular a configuração de um regime autoritário, administrado por gente sem escrúpulos é igualmente um resultado desse “cumprir o Mar”, onde as nossas gentes foram solidários grumetes.

 

Todavia, Fernando Pessoa deixa-nos um muito importante alerta: - “Senhor, falta cumprir-se Portugal!”. Assim, para que Portugal se “cumpra” mesmo, importa recordar – em permanência - que a vida em liberdade exige “comportamentos” em defesa da nossa liberdade.

 

A democracia representativa, que tão equivocada parece estar, deverá estar diretamente relacionada com a democracia participativa… e esse é o desafio!

 

Viva a Revolução das Liberdades, a Revolução de 25 de Abril de 1974, a Revolução dos Cravos, da Liberdade e da Democracia! Cumpramos Portugal.

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