Diário do Alentejo

Melro
Opinião

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Vítor Encarnação, professor

15 de abril 2021 - 12:15

Tenho dificuldade em diferenciar os pássaros uns dos outros. Tirando os pardais e as andorinhas, tudo o resto faz parte do mesmo bando. Apesar das minhas raízes campestres, nunca fui bom a distinguir a maior parte das pequenas aves voadoras. Nessas longínquas e eternas tardes de verão, os meus companheiros de jornada de pó e lonjura ouviam um pássaro e sabiam sempre qual era, uma cotovia, um pintassilgo, uma tarambola, uma calhandrinha. Chilreios que saíam do cimo de uma azinheira, do meio de um canavial, de dentro do azul do céu. A minha sorte eram os pardais, era a eles que eu recorria, eram eles a minha salvação nas minhas breves conversas sobre pássaros. Coisa pouca, fineza pequena, em comparação com a ciência dos meus colegas de sol e restolho que dominavam ninhos, ovos, plumagens e trinados. Uma noite destas, era já tarde e eu tentava adormecer, ansiava fechar olhos e pensamento, quando me pareceu ouvir um pássaro a cantar. Talvez não fosse, talvez fosse apenas o meu sono a ganhar asas, mas o meu sono teimava em rastejar no chão da cama. A meio da noite, que pássaro cantaria a meio da noite, tão tarde, que pássaro tricotava tão bem o silêncio da madrugada, que pássaro teria poisado na minha laranjeira com um violino no bico. Deixei-me estar, deixei que o pássaro tomasse conta de mim, deixei que o canto me fosse seduzindo até eu finalmente naufragar de tanto cansaço.

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