Diário do Alentejo

Crise
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Luís Godinho, jornalista

01 de abril 2021 - 17:00

Tem sido assunto recorrente nas páginas do “DA”: o agravamento dos problemas económicos e sociais de muitas famílias, em particular das mais desfavorecidas, em resultado da crise provocada pelas medidas de combate à covid-19. São as consequências de uma outra pandemia que se instalou e cujos efeitos ainda se irão agravar. Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), coordenado por Ricardo Paes Mamede, traça um cenário “macro” de boa parte dos problemas: mais de 100 mil empresas, empregando 1,3 milhões de pessoas (perto de um terço do total dos trabalhadores), candidataram-se ao regime de ‘lay-off’ temporário simplificado, que permitiu às empresas suspenderem temporariamente os contratos de trabalho. Para os trabalhadores, esse regime implicou cortes salariais e perda de rendimento, amortizada pelas moratórias no pagamento de empréstimos (por exemplo bancários), que agora estão a chegar ao fim. Muitos trabalhadores foram “forçados a deixar de trabalhar para apoiar a família depois do encerramento de escolas, jardins-de-infância e outros serviços”. O número ainda não está fechado, mas terá havido mais de 200 mil despedimentos, que afetam mais as profissões com salários mais baixos e também os mais jovens. E isso não é tudo. Vários estudos, entre os quais um inquérito do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), sugerem que as pessoas mais desfavorecidas têm sido as mais afetadas pela crise. Outro inquérito ‘online’, da Universidade Católica, revelou que “uma em cada quatro pessoas que auferiam salários abaixo dos 650 euros perderam rendimento, o que compara com seis por cento nos escalões de rendimento acima dos 2 500 euros”. Mais, quase metade das famílias com salários até mil euros mensais tiveram perda de rendimento, o que compara com 23,4 por cento das que recebem acima de 2 500 euros mensais. “Muitos dos grupos mais afetados pela crise já se encontravam entre os desfavorecidos. Por exemplo, a taxa de risco de pobreza dos trabalhadores com contratos temporários antes da pandemia era quase o dobro da média dos que tinham um contrato permanente”, conclui o relatório da OIT. “Os trabalhadores mais jovens, que já enfrentavam taxas mais elevadas de desemprego e subemprego, também tendem a ser desproporcionalmente afetados durante períodos prolongados de quebra na procura de mão-de-obra”. É evidente que com o fim do ‘lay-off’ muitas empresas terão a sua sobrevivência ameaçada. E muitos trabalhadores acabarão a engrossar as filas do desemprego. Os números do IEFP já são dramáticos. Conforme revelado pelo “DA”, as prestações de desemprego no distrito de Beja subiram 52 por cento o ano passado. Pior, metade dos desempregados que se encontram inscritos no IEFP não está a receber subsídio. Nem subsídio, nem salário. São milhares de pessoas sem qualquer fonte de rendimento. Não, não vamos ficar todos bem. E não, não é verdade que a pandemia de covid-19 tenha atingido todos por igual, conforme o dirá qualquer responsável por uma instituição de apoio social. É tempo de o Estado juntar medidas às medidas que as autarquias tomaram, no sentido de apoiar as famílias mais desfavorecidas, aquelas que mais sofrem com a atual crise.

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