Diário do Alentejo

Os pássaros e as crianças
Opinião

Os pássaros e as crianças

Vítor Encarnação, professor

26 de março 2021 - 16:35

Sem escola, a minha terra dormiu. Os ruídos ficaram quase todos presos dentro de casa, quanto muito foram ao quintal fumar um cigarro, estender as pernas, apanhar sol, ver luz, desanuviar. Cada pessoa guardou os barulhos no átrio de entrada ao lado dos sapatos, nem uns nem outros lhe serviam para nada, o silêncio e os chinelos de quarto foram suficientes para enfrentar os dias. E os dias passaram, lentos, o porvir a coalhar nas horas paradas. Apenas os pássaros, alheios às dores e às aflições das pessoas, ocuparam o vazio. Mas agora voltaram as crianças, com a escola aberta, a minha terra acordou. As crianças vieram fazer companhia aos pássaros, as crianças e os pássaros trazem consigo o desígnio de fazer barulho, nada os prende aos ninhos quando o sol brilha, há nuns e noutros uma necessidade de serem felizes, de voar e de rebolar no chão, de cantar e de brincar, de poisar e de abraçar. Nenhum deles sabe ser feliz em silêncio, o silêncio só serve para dormir. A noite só serve para recuperarem energia e serem felizes outra vez de manhã. Só tenho pena de não saber se os pássaros também sonham. As crianças são o que a minha terra precisava para acordar, elas vêm habitar as ruas, colorir os dias, vêm soltar o tempo, trazer o futuro, vêm dizer, em gritos de alegria, que é possível voltar a viver. Eu, que vim ao quintal espairecer, ouço-as no recreio e sorrio.

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