Diário do Alentejo

Alentejo abandonado
Opinião

Alentejo abandonado

Carlos Alberto Cupeto, professor universitário

01 de março 2021 - 09:50

O Alentejo coitadinho é das ideias mais presentes ao longo dos anos. A perseguição fascista e o abandono democrata encaixam bem na estratégia política do não fazer para os manter no poder. Na verdade, se o Alentejo se queixa só o pode fazer dos alentejanos. O Alentejo não é abandonado, abandonou-se. No início de 1998 o jovem (promessa ou certeza?) Carlos Zorrinho fez a capa da revista “Imenso Sul”: tinha na mão um enorme saco de dinheiro para mudar o Alentejo. O propósito do ProAlentejo “é mudar o Alentejo em dois anos”, disse Zorrinho numa extensa entrevista à revista.

 

Na época, as contas eram em contos, milhões de contos, centenas de milhões. Desde então sempre assim foi, nunca faltou dinheiro ao Alentejo e sempre houve boa retórica e excelentes programas. O que faltou, e continua a faltar, é “política de verdade”. Qualquer terra do Alentejo mostra onde esse dinheiro está; não faltam infraestruturas de todo o tipo, em poucos quilómetros, em concelhos despovoados e sem economia, de concelho para concelho tudo se replica.

 

Estremoz-Borba-Vila Viçosa constituem um excelente exemplo, todo o tipo de infraestruturas em triplicado para pouco ou nada acontecer. Entretanto, o Cevalor – Centro Tecnológico para a Valorização das Rochas Ornamentais – fechou como se nada fosse e ninguém se interroga e indigna. Quem é responsável por este crime? O exemplo deste triângulo de terras fantásticas é lapidar e evidencia a miséria da (des)governação que temos. É muito mais fácil reclamar em Lisboa e “chorar” no Alentejo.

 

O Alentejo abandonou-se. Ninguém explica e diz com verdade que quem cria riqueza são as empresas. Todos os meios, ao longo de décadas, foram postos noutras organizações, essencialmente públicas. Depois, há uma crise de saúde e percebe-se que o Alentejo não tem um hospital capaz, prometido há décadas. Mesmo que nos contem o contrário, o Alentejo não é atrativo, não tem vida, falta-lhe estrutura social e económica. Os filhos dos meus colegas em idade universitária não estudam no Alentejo; porque será? Os meus alunos, de todo o país, sonham pelo fim de semana para debandarem às suas terras porque “Évora não apetece” – Portalegre ou Beja são iguais. Por muito que custe, esta é a verdade. Faltou ao longo das décadas uma agenda focada nas pessoas, no povoamento desta terra: reter os que cá estão e chamar muitos outros.

 

Morreram mais velhos de covid-19 no Alentejo do que no norte porquê? O Ventura tem mais votos no Alentejo porquê? Queremos olhar a realidade de frente? A resposta é: porque nos falta muito do que o norte tem, designadamente “família” e estrutura social e económica de proximidade. Queremos a verdade para mudar?

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