Diário do Alentejo

Resiliência
Opinião

Resiliência

Luís Godinho, jornalista

23 de fevereiro 2021 - 10:20

E pronto, lá voltamos ao Plano de Recuperação e Resiliência, o tal documento estratégico com as reformas estruturais fundamentais para assegurar a saída da crise pandémica e garantir um futuro resiliente para Portugal, apresentado o ano passado por António Costa Silva, enviado pelo Governo a Bruxelas e agora em discussão e auscultação pública até ao próximo dia 1 de março. Estamos, portanto, a ser convocados para opinar sobre um documento que chegou à Comissão Europeia em outubro de 2020, já lá vão quatro meses, é certo que na sua forma preliminar, mas que devido a essa mesma circunstância dificilmente sofrerá alterações de vulto. Dando de barato que, talvez, tivesse sido mais produtivo começar por apresentar o plano, ouvir as pessoas e só depois enviá-lo para Bruxelas, articulando com a Comissão Europeia o que houvesse a articular, e seguros de que, como dizia José Saramago, das muitas habilidades que o mundo sabe a que ainda faz melhor é dar voltas, voltemos então ao Plano de Recuperação e Resiliência, o tal documento estratégico que servirá de bússola à “bazuca” de 14 mil milhões de euros que o país terá para gastar até 2026. É um documento importante, na medida em que concentra um significativo conjunto de investimentos estruturais em setores decisivos para o desenvolvimento do país e da região, alguns dos quais já aqui referidos. Mas é também um documento que não muda de forma substancial o que tem sido o paradigma das políticas públicas em Portugal, desde sempre centradas nas regiões do litoral, e em particular na área metropolitana de Lisboa, e pouco atentas, para dizer o mínimo, às complexas questões que se colocam ao futuro do interior, e em particular ao do Baixo Alentejo. Veja-se, por exemplo, a área da saúde, que irá concentrar uma parte significativa da “bazuca” europeia. É evidente que ninguém questiona a necessidade de melhorar a resposta dos cuidados de saúde primários (438 milhões de euros), alargar a rede de cuidados paliativos (205 milhões de euros) ou investir na chamada transição digital da saúde (300 milhões de euros), entre outras medidas. O que se questiona é a ausência de medidas para resolver um dos mais graves problemas com que se debatem as populações do interior, e um sério entrave à fixação de pessoas: a falta de médicos. Um estudo encomendado pela Ordem dos Médicos ao Instituto Politécnico de Bragança indica que o salário não é determinante para que os jovens médicos se fixem nos hospitais e centros de saúde do interior do país. O mais importante para que isso aconteça, aponta o mesmo estudo, é a criação de incentivos para ajudar a fixar no interior a família desses jovens médicos e a existência de condições de carreira e de trabalho mais atrativas. Ora, dos 1,4 mil milhões de euros que o Plano de Recuperação e Resiliência contempla para investimento na saúde não há uma única referência a este assunto. Deste ponto de vista, é mais uma oportunidade perdida.

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