Diário do Alentejo

Domingo
Opinião

Domingo

Vítor Encarnação, professor

17 de fevereiro 2021 - 11:05

Deixo o corpo ficar na cama até ele querer, aconchego as horas dormentes na almofada, são já dez, deixem-se estar, descansem, vamos ficar aqui mais um bocadinho, abracem-se a mim, enrosquem-se neste ninho de flanela, hoje vamos vingar-nos das madrugadas, das pressas matinais, dos horários, vamos ficar aqui a ouvir a chuva a bater na janela, poucas coisas são mais bonitas do que ouvir chover quando estamos deitados e temos o tempo a dormir a nosso lado. Espreguiço-me, estendo a carne e os ossos, deixo a pele viver este momento de luxúria, deixo a cabeça misturar sonhos e realidade, deixo-a pensar no que quiser, apenas lhe peço que não me inquiete. E entregue aos braços da preguiça, da suave indolência, adormeço novamente. Quando já são doze, quando o sino da igreja grita uma dúzia de vezes com a sua boca de cobre, as horas acordam-me, destapam-me, saltam-me em cima como fazem os filhos pequenos. Escorrego lentamente para os chinelos e reaprendo a andar, as pernas invertebradas dentro de um pijama azul-escuro, penso que todos os homens têm um pijama azul-escuro, os olhos ainda com falta de luz, um sonho acordado de repente a esconder-se de novo no fundo da cabeça, vou devagarinho, agarro-me ao silêncio. Aos domingos, o silêncio é um corrimão que eu tenho no meu corredor para não cair dentro dos barulhos dos dias úteis. Entro na cozinha e faço café enquanto chove lá fora.     

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