Diário do Alentejo

Vacinas
Opinião

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Luís Godinho, jornalista

10 de fevereiro 2021 - 09:45

Não sei se serão 340 casos de “golpe nas vacinas”, como afirmava esta semana um tabloide de Lisboa. Poderão ser mais. Talvez sejam menos. Em qualquer das circunstâncias, um único caso que fosse, seria criticável por tudo o que representa de mesquinho relativamente ao modo como alguém se comporta em sociedade, fazendo batota para passar à frente de cidadãos prioritários no que à vacinação contra a covid-19 diz respeito. Não é gente amoral que o faz. É gente imoral. E que, por isso, deve ser perseguida pela justiça e condenada na praça pública. Não podemos meter tudo no mesmo saco.

 

O caso do padre, presidente do Centro Social e Paroquial de Alfena (Valongo), da mãe do padre e da costureira da instituição, que “beneficiou do facto de haver sobra de vacinas”, terem recebido a vacina contra a covid-19 será, talvez, o caso mais evidente do tradicional “chico-espertismo” à portuguesa. Mas houve outros presidentes de lares e de centros sociais a fazerem o mesmo, ainda que as prioridades para esta primeira fase de vacinação fossem apenas os residentes e profissionais em lares e unidades de cuidados continuados, profissionais de saúde, profissionais das forças armadas, forças de segurança e serviços considerados “críticos”.

 

Tem havido abusos. E contra eles nada melhor que o anúncio feito pele Procuradoria-Geral da República de estar a investigar casos de suspeitas de vacinação fraudulenta, “desde logo os respeitantes à Segurança Social de Setúbal, ao Instituto Nacional de Emergência Médica de Lisboa, ao INEM do Porto e a factos também noticiados ocorridos em Portimão, Vila Nova de Famalicão, Arcos de Valdevez, Bragança, Seixal e Montijo”. Ou outros que, entretanto, tenham surgido. É o que se exige do Ministério Público.

 

O comportamento dos cidadãos, em particular daqueles que têm maiores responsabilidades, poderia ser diferente? Poderia. Mas casos idênticos, é bom sublinhá-lo, não ocorrem apenas em Portugal. Até o “insuspeito” Canadá tem registo de abusos, como o noticiado pelo jornal britânico “The Guardian”, segundo o qual um casal de multimilionários voou em segredo para a comunidade indígena de Yukon para conseguir receber indevidamente a vacina contra a covid-19. Claro que no Canadá, ao contrário do que sucede em Portugal, o casal já foi notificado para se apresentar em tribunal no próximo dia 4 de maio, arriscando uma pena de seis meses de prisão.

 

Sendo (talvez) inevitáveis estes casos – mais evitável seria a barafunda que Ferro Rodrigues conseguiu fazer com a vacinação dos deputados – parece evidente que o país, de um modo geral, e graças à competência de Francisco Ramos (que se demitiu na passada semana), tem conseguido cumprir com o que era esperado. Todos os idosos residentes em lares estarão vacinados por esta altura, faltando apenas chegar a “alguns lares ilegais em que ainda não foi possível estabelecer o contacto”. Este foi um importante primeiro passo, na medida em que os surtos mais graves de covid-19 têm ocorrido em lares, e em que 87 por cento das vítimas mortais têm mais de 70 anos.

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