Quando tudo isto passar, quando finalmente chegar o dia dos abraços, o que terá sobrado de nós, o que seremos nós, quem seremos nós? O mesmo que éramos não seremos com certeza, ninguém atravessa uma desgraça e volta igual, ninguém é sujeito a um tão grande sacrifício e retorna tal e qual como foi.
Os caminhos difíceis ferem os pés, a angústia fere o ânimo, os mortos afligem os que têm medo de morrer. É nisto que temos andado, perdidos num tempo confuso, presos num labirinto, gritando uns com os outros, desconfiando uns dos outros, trepando uns por cima dos outros, como sempre os mais fortes a enganarem os mais fracos, à procura de uma saída, à procura de uma cura.
E a saída não se acha e a cura é sempre uma coisa tão lenta, a salvação demora tanto tempo, e nós a caminharmos, uns já loucos, outros alienados, outros ainda lúcidos, a tropeçarmos nos mortos, cada dia mais mortos, às vezes são os nossos, só os nossos mortos nos fazem perceber as trevas. A nossa sorte são os lúcidos, infelizmente são cada vez menos, por favor não enlouqueçam todos, só a lucidez nos pode guiar através deste martírio, só a lucidez achará a porta e a cura.
Quando chegássemos ao futuro, num processo de devir normal, seríamos sempre o resultado do que fomos, mas nestes tempos de provação, seremos só o resultado do que não conseguimos ser, seremos apenas a soma de muitas negações.