Há várias formas de olhar para o ano que agora termina. Pesado que de bom e de mau sucedeu, o balanço final depende da forma como olhamos para o mundo que nos rodeia. Há uma frase atribuída a Winston Churchill (uma das muitas), segundo a qual um pessimista vê uma dificuldade em cada oportunidade, ao contrário de um otimista que vê uma oportunidade em cada dificuldade. Fez agora um ano que a China anunciou ao mundo a descoberta de uma "pneumonia por causa desconhecida" na cidade de Wuhan, onde vivem cerca de 11 milhões de pessoas. Nos primeiros dias, a existência deste novo coronavirus - que a Organização Mundial de Saúde haveria de designar como síndrome respiratória aguda grave de coronavirus (SARS-CoV2), causador da doença denominada covid-19 - não passaria de uma notícia de rodapé dos jornais impressos, ou de uma peça discreta no noticiário internacional das televisões. Num mundo global, rapidamente o vírus se disseminou, tendo chegado a Portugal no início de março, com as consequências que todos vivemos: milhares de pessoas infetadas, milhares de mortes atribuídas à pandemia, sobretudo de pessoas idosas residentes em lares, um modo de vida substancialmente alterado (com muito menos contactos sociais, confinamentos, uso obrigatório de máscara, recolher obrigatório e sucessivas declarações do estado de emergência), uma crise económica sem precedentes, traduzida no encerramento de empresas (em particular nos setores da restauração e do turismo, mas não só), no aumento do desemprego e na existência de um número crescente de famílias dependentes de apoio por parte do Banco Alimentar Contra a Fome.
Foi um ano terrível, sem dúvida. Um ano em que as nossas vidas estiveram em suspenso, em que as conquistas civilizacionais (não digo apenas democráticas) começaram a ser questionadas. "Temos que confinar, temos que fazer isto e aquilo e obedecer. Os efeitos estão lá e são a criação de hábitos de aceitação de que uma autoridade estatal ou um governo possam intervir e mandar na nossa vida pessoal. Isso muda completamente a nossa consciência e a própria democracia", lembra o filósofo José Gil. "Já não olhamos para os outros com a espontaneidade de nos aproximarmos porque somos da mesma espécie, porque gostamos uns dos outros. O que se mostrou com a pandemia é que temos medo e o outro pode ser um perigo. Isso é muito mau". Esta é uma forma, talvez a mais lúcida, de analisar 2020. Mas, como dizia Churchill, há sempre a visão otimista, aquela que vê uma oportunidade em cada dificuldade. E, por isso, 2020 foi também um ano extraordinário na medida em que no espaço de poucos meses se demonstrou ser possível desenvolver não uma mas várias vacinas eficazes na luta contra a covid-19. Desse ponto de vista, foi também um ano do triunfo da ciência. A primeira parte do caminho está feita. A vacinação começou esta semana, nos países mais ricos e nos mais pobres da Europa, numa das raras ocasiões em que temos uma União Europeia a funcionar enquanto tal. Também por isso, 2020 será um ano a reter na nossa memória.