Diário do Alentejo

O elementar consentimento informado
Opinião

O elementar consentimento informado

Mário Beja Santos, jurista

12 de janeiro 2021 - 11:45

Por lei, entende-se por consentimento informado a autorização esclarecida prestada pelo doente/utente antes da submissão a determinado ato médico, qualquer ato integrado na prestação de cuidados de saúde, participação em investigação ou ensaio clínico. Esta autorização pressupõe uma explicação e respetiva compreensão do que se pretende fazer, o modo de atuar, razão e resultado esperado da intervenção consentida. Por outras palavras, na relação médico-doente, este deve previamente dar consentimento livre e esclarecido a qualquer ato que o médico lhe pratique. É consentimento informado porque o médico dá informação prévia, é ele o detentor do conhecimento científico, e só depois de esclarecer como vai atuar é que o doente consente. Trata-se de uma codecisão que se fundamenta na participação do doente. É uma regra de ouro da cidadania na saúde. Para consentir de maneira “esclarecida” a lei enumera as características da informação que o médico deve dar ao doente: a natureza da doença, o grau de urgência, a duração da intervenção, as eventuais contraindicações, os efeitos secundários e os riscos inerentes à intervenção.

 

Não vale a pena escamotear a realidade: é uma partilha difícil, nem sempre o doente, chocado com uma notícia de um diagnóstico, tem capacidade para assimilar tudo quanto o médico vai dizer; depois é-lhe posto um documento à frente, é preciso assiná-lo como se fosse assim que se demonstrasse uma aceitação explícita. Na cabeça de muitos de nós, o médico ainda é um "semideus", o que ele decide tem um valor inquestionável. E se pensarmos nesse vasto setor da saúde mental, o que será verdadeiramente o consentimento informado? E daí a quantidade de queixas que são apresentadas à Entidade Reguladora da Saúde, de que o médico não alertou suficientemente para os efeitos secundários do tratamento, que não informou adequadamente sobre os riscos da prestação nem mesmo esclareceu cabalmente quais as repercussões financeiras dos tratamentos que propôs.

 

O consentimento esclarecido, entenda-se, também pode esbarrar na incontestável vulnerabilidade do doente que, não estando devidamente municiado para discutir as suas terapêuticas, age passivamente. Questiona-se, pois, como aperfeiçoar este direito dos doentes, travando o passo à medicina paternalista. Só se vê uma janela aberta: o médico deve estar capacitado que lhe compete informar o doente de uma maneira pertinente. Só se pode falar em codecisão quando se elabora conjuntamente a solução, e caímos sempre na questão da literacia em saúde. A legislação bem prega os procedimentos, que no essencial são os seguintes: o médico deve verificar se o interessado entendeu as explicações que lhe foram dadas; a família só deve ser destinatária da informação se tal tiver sido autorizado pelo utente; há exceções ao dever de informar (quando o médico considera que o conhecimento da situação clínica pelo utente pode representar um perigo para a sua saúde). Em determinadas situações, a lei exige o respeito por determinado prazo de reflexão antes da prestação do consentimento, como é o caso da interrupção voluntária da gravidez.

 

Deve-se informar o doente de maneira pertinente para instaurar um diálogo equilibrado e assim aprender a construir uma relação permanente de codecisão. É um problema de mentalidades, tem obstáculos seguramente, mas é inevitável que assim se proceda. Negar ou escamotear este direito é iludir essa nova realidade que se chama a cidadania na saúde.

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