Diário do Alentejo

Arco-da-velha
Opinião

Arco-da-velha

Vítor Encarnação, professor

11 de janeiro 2021 - 17:00

É bela a luz que nasce do ventre da chuva. Quando a água cessa de cair e o sol desabotoa o vestido cinzento das nuvens e as deixa seminuas de azul, há uma claridade pura que escorre para dentro dos olhos. Os olhos gostam desse brilho, os olhos percebem e percorrem a beleza deste sítio onde eu vivo, no limite sul das terras transtaganas. Depois das planuras que vêm de longe, depois de léguas e léguas de terra deitada, levantam-se montados e cerros, neles há sobreiros e azinheiras e porcos, erguem-se serras, nelas há estevas e medronheiros e silêncio. Eu tento não fazer barulho e sento-me quieto ao lado da água que corre, há anos que a água não corria assim, há anos que as terras não se encharcavam de tanta felicidade. Aquele cabeço escorre felicidade. Com os olhos inundados desta luz, vejo uma ribeira com duas cegonhas plantadas no leito, um pego que preencheu o vazio que trazia no peito, erva a esverdear os campos, ovelhas a comer todo o verde que encontram, um cão plantado no verde a guardá-las, um pastor que me acena, um homem e uma mulher que lavam as tripas de um porco que morreu ainda agora, haverá orelhas assadas e carne de alguidar, já me corre o pensamento para os torresmos, já se me inunda a boca de moleja. Se eu conseguisse ser pastor do tempo, ficava ali até a noite comer a luz. Lá no céu, rasgando o ventre da chuva, o arco-da-velha é o deus das cores.

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