Diário do Alentejo

Os presépios
Opinião

Os presépios

Manuel Camacho, economista

27 de dezembro 2020 - 11:00

Com o aproximar do Natal muitos de nós mobilizávamo-nos para a feitura do nosso presépio, nos idos anos da nossa meninice. Era uma empresa acalentada ao longo do ano, mas era natural que ela tivesse lugar já perto do mês de dezembro, pois nessa altura o Natal ainda não era “quando os homens quisessem”.

 

Nesses tempos então vividos, ainda não estava instituída a modernice de construção de árvores de Natal, assim como o protagonismo conquistado pelo Pai Natal, pois o mesmo ainda não tinha “assentado praça” por estas latitudes. O que vingava era o presépio familiar e o benfeitor de então era o Menino Jesus, pois nós acreditávamos que ele descia pela chaminé e depositava as escassas prendas no nosso sapatinho (para quem tinha chaminé e porventura sapatinhos).

 

Mas a primeira iniciativa começava por semear alguns bagos de trigo em pratos rasos, dando lugar às nossas “searinhas” do Menino Jesus, sendo elas todos os dias regadas com esguichos de água emanados das nossas propícias bocas, e acompanhávamos pacientemente a germinação das mesmas, até à altura da esperada festa da família, quando elas já apresentavam toda a sua expressão de searas verdejantes.

 

O ritual de construção do presépio começava pelo desembrulhar dos jornais as figurinhas religiosamente guardadas numa acomodada caixa de sapatos, algumas delas apresentando algumas maleitas, como um anjinho com a sua asa partida, ou um nariz de santo mutilado, etc.. Porém, em virtude de algumas, poucas, economias feitas ao longo dos últimos meses, corríamos sôfregos para a loja da menina Gina para reforçar o elenco do nosso presépio, mais um rei-mago em falta, mais uma ovelha, ou um anjinho para completar o cenário mágico da aldeia verdejante a construir, não faltando na mesma um lago espelhado com recurso a uma prata moura, assim como os carreiros realizados com serradura.

 

Reunidas as peças fundamentais, seguia-se outra não menos importante etapa que era angariar uma alcofa cheia de musgo para emprestar uma realidade bem próxima do cenário imaginado por nós, onde o Menino Jesus se atreveu nascer. Nem sempre era fácil, pois por vezes os melhores “safrões” de musgo eram antecipadamente resgatados por outras crianças ávidas de tão indispensável ornamento para os seus presépios em construção.

 

Por vezes algumas casas comerciais exibiam presépios nas suas montras. Lembro-me especialmente do bazar do senhor Higino e da loja da menina Gina. Porém, consta que havia alguns presépios famosos em casas particulares, mas de limitada observação, pois os mesmos estavam “religiosamente” escondidos da generalidade da população, exceção feita na casa da família Brito Camacho, onde as crianças da vizinhança podiam aceder à visualização do mesmo e eram também prendados com uma guloseima.

 

Relembro ainda uma situação que redundou numa pequena “tragédia”. O presépio da igreja matriz era realizado com figuras com dimensões generosas num altar previamente escolhido. Contudo, o cenário envolvente do mesmo era construído com papel artisticamente pintado com cores que iam do verde desmaiado ao azul celeste, passando por um polvilhamento de cores purpurinas. Certo dia, a senhora que limpava a sacristia, no seu afã de arrumação de algumas gavetas, achou que aqueles papéis meio amachucados deveriam de ser reduzidos a cinza, tal como veio a acontecer, sem que desse nota deste inocente ato. Quando o saudoso padre Lobato abriu a gaveta, onde religiosamente guardava os ditos adereços, e se deparou com a sua inexistência em vésperas da celebração da data festiva, vociferou e com razão, pois viu-se desprovido de parte dos artísticos cenários do seu enclausurado presépio, tendo de improvisar à pressa novos ornamentos, ficando estes aquém dos genuínos, então sublimados.

 

Relembrando esses recuados tempos, resta sempre uma saudável nostalgia das nossas vivências pueris, onde éramos os principais obreiros daquelas obras de arte, os nossos fantasiosos presépios de boa memória.

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