Diário do Alentejo

A propósito do património religioso da Diocese de Beja
Opinião

A propósito do património religioso da Diocese de Beja

Manuel António do Rosário, presidente da Comissão Diocesana de Arte Sacra da Diocese de Beja

10 de dezembro 2020 - 12:05

Num recente artigo assinado por Margarida Fortuna, que não tenho o prazer de conhecer, e no qual manifesta a sua preocupação pelo património religioso da Diocese de Beja, há afirmações que merecem alguma retificação e que passo a mencionar:

 

1) Não sei se a Margarida e os nossos leitores sabem, mas, em 1999 (a 31 de maio) foi assinado um protocolo entre a Diocese de Beja, representada pelo senhor bispo D. António Vitalino Dantas e o Instituto Português do Património Arquitetónico, representado pelo seu presidente, dr. Luís Ferreira Calado. Nele (protocolo) se reconhece o esforço iniciado em 1984 pela Diocese de Beja, no “inventário dos bens culturais imóveis, integrados e móveis sob a sua tutela” e na adenda ao mesmo o Instituto Português do Património Arquitetónico “obriga-se a apoiar a realização do inventário dos bens culturais imóveis, integrados e móveis sob a tutela da Diocese de Beja, autorizando a presença na Diocese de Beja, ao serviço do inventário e das tarefas relacionadas com o referido protocolo, do senhor dr. José António Nunes Mexia Costa Falcão".

 

2) Em 2016, por decisão da senhora diretora-geral do Património Cultural, arquiteta Paula Silva, o destacamento terminou e o dr. Falcão voltou ao seu serviço, em Lisboa. Quanto ao inventário, não sabemos se ele foi feito ou não, o que temos a certeza é que ele não se encontra na Diocese de Beja, cujo primeiro responsável é o atual bispo, D. João Marcos;

 

3) Quanto à decisão de extinguir o Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja (Dphadb), não foi tomada de ânimo leve, como o senhor D. João Marcos já por várias vezes afirmou, antes foi fruto de uma reflexão amadurecida ao longo dos anos, e teve o apoio dos principais órgãos da Diocese de Beja. As razões para tal decisão, naturalmente graves, a seu tempo serão totalmente conhecidas e reveladas, porque a Igreja não tem medo da verdade e procura ser transparente nos seus procedimentos;

 

4) Como todos somos feitos da mesma massa, ou seja, somos todos pecadores e falhamos, é natural que, de entre os casos referidos como exemplos de atentados ao património, perpetrados por elementos do clero desta diocese, haja alguma verdade, mas talvez valha a pena clarificar alguns aspetos imprecisos, para não dizer errados:

a) Quanto a Sines e Porto Covo, as intervenções feitas foram acompanhadas e tiveram a orientação de um dos membros do departamento e o envolvimento de, pelo menos, mais um outro elemento (não refiro nomes, mas, se for necessário, o pároco de então, padre José Fernandes Pereira, fá-lo-á);

 

b) Quanto ao concelho de Castro Verde, alvo das maiores críticas, convém informar que o seu monumento mais emblemático e um dos mais significativos da Diocese de Beja, a Basílica Real, se encontra agora numa nova fase da sua existência, apesar de, desde os anos 90, haver projetos de restauro que nunca passaram disso... projetos. Na verdade, depois de uma primeira intervenção nas coberturas e no exterior da Basílica Real, bem visível a quem passe por Castro Verde, graças a uma feliz parceria entre a paróquia, a câmara municipal e a junta de freguesia, está em curso uma intervenção gradual no interior do edifício, onde já é possível maravilharmo-nos com a extraordinária pintura que preenche todo o coro alto da igreja, recentemente intervencionada. Em breve, iniciar-se-á uma intervenção de maior fôlego no teto da Basílica, graças a um protocolo que comprometeu a paróquia, a câmara e a Direção Regional de Cultura do Alentejo (DRCA) e que devolverá, gradualmente, a esta magnífico templo a sua beleza original. Já agora, para informação da nossa jovem Margarida, não existe no concelho de Castro Verde nenhuma paróquia chamada S. Marcos do Campo, mas sim em Reguengos de Monsaraz;

 

c) Em Santiago do Cacém, uma das igrejas visadas é a Igreja da Misericórdia, propriedade da Santa Casa da Misericórdia e utilizada pela paróquia, graças às excelentes relações que existem entre estas duas instituições, estruturantes da vida desta Comunidade de Santiago. O que se afirma é vago e impreciso e terá, naturalmente, a resposta de quem de direito;

 

d) Outra paróquia visada é Serpa, mas sobre ela, na verdade, não temos qualquer informação sobre intervenções menos criteriosas na Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe. Pelo contrário, podemos dizer que, depois de anos de promessas, vai finalmente avançar uma grande intervenção na Igreja de Santa Maria, a Igreja Matriz de Serpa, graças a um protocolo entre a paróquia, a câmara e a DRCA.

 

Apesar de já ter havido notícias sobre este tema, gostaria de voltar a ele e relembrar aos leitores do "DA" que, nos dias 22 e 27 de julho do corrente ano, em algumas salas anexas da Igreja de Santiago do Cacém e no respetivo Museu de Arte Sacra, a Comissão Diocesana de Arte Sacra (CDAS) encontrou um número muito significativo de peças de arte sacra, decerto aí depositadas pelo Dphadb, pertencentes a paróquias, Santas Casas da Misericórdia e Seminário de Beja, e das quais não havia qualquer notícia há anos.

 

A título de exemplo, recordo que o Seminário de Beja cedeu um conjunto de peças em prata, para uma exposição no Paço de Faro (Algarve), que decorreu entre 27 de dezembro de 2005 e 27 de abril de 2006, e que foram igualmente encontradas nos espaços atrás referidos da Igreja Matriz de Santiago do Cacém, apesar dos seus responsáveis, ao longo dos anos, terem solicitado a sua devolução. O mesmo sucedeu com a paróquia de Beringel, cujas peças, valiosíssimas, lá foram encontradas, embora não todas, e só agora foram entregues à paróquia pela CDAS. Tudo isto está devidamente documentado.

 

Um outro conjunto de peças, guardadas em caixas fechadas, encontravam-se em espaços insuspeitos no seminário de Beja e ninguém ao longo dos anos as abriu, por não se saber o que continham, pois, só o Dphadb tinha conhecimento.

 

É importante que se saiba também que, as peças encontradas, já foram entregues às Instituições a que pertenciam e algumas delas podem ser usufruídas nos núcleos museológicos existentes na diocese, mesmo não sendo da sua responsabilidade, como é o caso do Núcleo Museológico de Arte Sacra de Mértola, integrado no Museu de Mértola. Convido os leitores do "DA" a visitarem-no, ou, se preferirem, leiam a agenda cultural de Mértola referente aos meses de outubro, novembro e dezembro 2020, nas páginas 53 a 55.

 

A diocese continua empenhada em localizar as peças, cujo paradeiro é até ao momento desconhecido, e não descansará enquanto tal missão não se encontrar totalmente concluída. Uma dificuldade com que nos temos confrontado reside no facto de, ao devolvermos as peças, nomeadamente a paróquias, já não existir ninguém que delas se recordasse, faltarem autos de entrega, fotografias ou outros elementos, a atestarem a sua cedência.

 

É bom que os leitores do "DA" saibam que, neste momento, as obras nas igrejas, só poderão avançar com o parecer positivo da diocese. Se forem igrejas classificadas, deverá ser solicitada a respetiva autorização à DRCA.

 

Na Diocese de Beja respira-se hoje um ambiente de maior sensibilidade para com o património e há a clara consciência de que ele é um bem identitário de toda a comunidade, pelo que se têm multiplicado, com sucesso, as parcerias entre paróquias, câmaras municipais, juntas de freguesia, empresas, comissões de festas e particulares. Com a DRCA, as relações são de plena colaboração e entendimento, sendo disso prova os protocolos atrás referidos, bem como os assinados com as paróquias de Moura e Santo Aleixo da Restauração.

 

Por fim, é de justiça reconhecer que a diocese tem consciência de que muito do trabalho que se fez e cujos frutos se sentem atualmente, se deve ao empenho, durante mais de 30 anos, do dr. José António Falcão e da equipa do departamento. A decisão de extinguir o departamento, não foi, obviamente, gratuita, nem invalida que não se reconheça o que de bom foi feito ao longo dos anos, mas também não nos dispensa de, com discernimento, como tantas vezes nos recomenda o Papa Francisco, apontarmos o que não foi feito, o que foi mal feito, ou poderia ter sido feito de outra forma.

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