Diário do Alentejo

Em roda livre
Opinião

Em roda livre

Ana Paula Figueira

20 de novembro 2020 - 17:50

Desde o final de 2017 desempenho funções que me obrigam a pensar ações e a operacionalizá-las em tempo previsto (enquadrada na estratégia institucional). Como as horas com as quais medimos um dia são limitadas e “fazer depressa e bem, não há quem”, a minha dedicação à investigação - académica - tem sido, neste período, pouca.

 

A minha ligação à academia e ao ensino superior, como docente, começou no início dos anos 90. Orgulho-me de ter tido quem me tivesse ensinado a posicionar numa sala de aula, a “arte” da argumentação a determinados níveis, a conceber exercícios e/ou testes e, especialmente, quem me mostrou que, neste setor, o “antes de ser, já o era”, desvirtua-o.

 

Por isso, nos últimos anos assolava-me um certo desencanto quando me apercebia do avolumar de muitas imprecisões que reconhecia – e infelizmente não só continuo a reconhecer, como até se agudizaram - no ensino superior: i) crescente burocratização da profissão académica; ii) impreparação intelectual de muitos dos contratados; iii) urgência em publicar a determinar a produção e não o contrário; iv) prevalência de uma lógica de concorrência e de competitividade, até mesmo nos próprios departamentos e áreas científicas, o que leva a um enfraquecimento das estruturas.

 

O resultado é, depois, tendencialmente medíocre: “a capacidade intelectual para ver a mudança que emerge no contexto rareia na academia. E a capacidade para a provocar, por via do pensamento criativo e da abertura à diversidade, é ainda mais difícil de encontrar”, escreve Paulo Peixoto (CES-UC) e eu subscrevo.

 

Recentemente tive oportunidade de falar com uma conhecida professora que atingiu a cátedra em 1966 e que dedicou toda a sua vida à investigação e à lecionação, movida pela paixão. Fez-me tão bem falar com a “Senhora Professora” e ouvi-la dizer que esta é - e só pode ser - uma profissão livre, de estudo e de comunicação de conhecimento. Publicar não é o fim, mas o resultado, da investigação; o fim deverá estar ancorado num compromisso social, de busca da verdade e de envolvimento com a sociedade.

 

Este seu final, lembrou-me as palavras de Paulo F. da Cunha (UP) num texto onde tão bem descreve a putativa e atual “torre de marfim” dominada  pelo “modelo surdo, mas muito presente, para o professor ou o investigador ideais, medianos e formatados pelo sistema global (não falamos dos extremos, dos marginais, que sempre fugirão ao modelo, enquanto puderem subsistir): para as estatísticas, para as classificações, logo para uma produtividade quantitativa (…)”.

 

Mudar o paradigma é – acredito – muito difícil; mas mimá-lo e esmerá-lo é alimentar “o círculo vicioso de tarefas subalternas burocráticas, a proverbial facada nas costas do ‘cher collègue’, e as mãos atadas perante o novo riquismo displicente do estudo e ávido de títulos que nos assalta.” E essa não foi, nem é, de todo, a minha visão.

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