Diário do Alentejo

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Luís Godinho, jornalista

12 de novembro 2020 - 15:35

Surpresa, ou talvez não: o número de médicos por habitante em Portugal é dos mais altos da União Europeia, Como? Já lá vamos. Antes uma frase de António Barreto: "O número de médicos por habitante pode ser um indicador do estado de desenvolvimento de um país ou da prioridade que a política confere à saúde". Podendo ser, a forma verbal faz muita diferença, como adiante se verá. Prestemos antes particular atenção aos números. A média europeia (entendendo Europa como o conjunto de 27 países que integram a União Europeia) é de 378 médicos por 100 mil habitantes.

 

Abaixo dessa média seremos levados a concluir que o número de médicos é insuficiente; acima iremos constatar que não existem assim tão poucos profissionais de saúde. Como diria António Guterres, é fazer as contas! E podemos fazê-las, recorrendo a dados da Pordata, do Instituto Nacional de Estatística e do Eurostat. Preparados então para a surpresa? Portugal tem 515 médicos por 100 mil habitantes, o que coloca o país muito acima da média comunitária. Só a Grécia e a Áustria têm mais médicos 'per capita'. E no que diz respeito ao número de médicos de clínica geral Portugal encontra-se em primeiro lugar a nível europeu.

 

O nosso problema não é a falta de médicos. Talvez nunca o tenha sido. Nos primeiros anos da década de 70, em alguns distritos do país a mortalidade infantil era superior a 30 por mil. A esperança média de vida não ultrapassava os 60 anos. E mais de 80 por cento dos equipamentos e profissionais de saúde estavam concentrados em Lisboa, Porto e Coimbra, deixando ao abandono todas as regiões do interior. Desse interior "onde apenas algumas unidades precárias e as misericórdias constituíam o único porto de abrigo dos doentes pobres", de acordo com as palavras de António Arnaut, que longamente entrevistei em 2016.

 

Por carência económica ou afastamento geográfico em relação aos grandes hospitais, mais de metade da população não tinha acesso aos serviços de saúde, nascendo e morrendo sem assistência médica, enquanto os grandes hospitais de Lisboa dispunham de um número de médicos muito superior às necessidades. "Muitos doentes morriam, simplesmente, por falta de assistência médica hospitalar, pois os serviços públicos eram inoperantes e a medicina privada inacessível à maior parte dos portugueses", sublinhou António Arnaut.

 

Na década de 70 (como referido), tal como nos dias de hoje (como o comprovam os elementos estatísticos), o problema não se prende com a existência ou não de médicos. A questão sempre foi a sua distribuição no território, contrastando entre centros urbanos com números muito acima da média e regiões do interior, como o Baixo Alentejo, com carências significativas em várias especialidades. "O que faz falta, então, ao Serviço Nacional de Saúde são recursos humanos, não médicos, que aliviem os médicos de realizar as atividades que não são do seu foro. Mas, acima de tudo, faz falta liderança e organização", resume Jaime C. Branco, diretor da Nova Medical School. Liderança e organização para que milhares de pessoas não fiquem sem cuidados de saúde, tal e qual como sucedia há 50 anos.

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