Diário do Alentejo

Saudade
Opinião

Saudade

Luís Covas Lima, bancário

05 de novembro 2020 - 12:00

O título desta crónica não foi escolhido por acaso. Simboliza a ausência de um homem, a recordação de percursos de vida, histórias e momentos, a memória e o reconhecimento dos ensinamentos, dos valores e referências transmitidos… tudo isso, personificado no herói da minha vida, o meu pai, o Nana para os amigos, o Dr. Nana para os doentes mais chegados e o Dr. João Covas Lima para o homem que, de alguma forma, legou algo à sua terra, Beja, e à sua área profissional, a radiologia.

 

Passaram, desde então, dez anos. Parece que foi ontem. Valeu-me o tempo, umas vezes célere e outras nem por isso. O tempo que passou foi meu companheiro e conselheiro, numa cruzada sem fim, ainda que sem a presença de quem outrora sempre me guiou, sempre me quis e sempre me defendeu, a mim e a todos os seus.

 

O Nana era, por natureza, um homem bem-disposto. Sagaz, perspicaz, inteligente, conversador, disponível, muito disponível para os seus amigos e mesmo para aqueles que lhe eram mais afastados… em bom rigor não havia nada que se pedisse ao Nana que ele não encarasse com verdadeiro sentido de missão para ajudar, dotado de um humor afinado e cáustico quando assim o queria… um homem com caráter, convicto das suas posições, respeitador das opiniões dos outros, um homem para quem a democracia e a liberdade representavam valores supremos e o humanismo era indissociável da sua forma de estar na vida. Talvez por isso, a profissão de médico, que tanto o realizava, terá sido determinante para a manifestação da sua grandeza enquanto ser humano.

 

A sua vida foi imensamente preenchida.

 

Formou-se na Faculdade de Medicina de Lisboa e aí foi assistente de semiótica radiológica. Entretanto, cumpriu o serviço militar em Moçambique, Vila Pery e Mueda, onde era o médico do Batalhão de Caçadores nº 596/1963, ficando nesta comissão eternizada uma frase sua: “Ao partir, éramos uns desconhecidos, ao regressar, éramos uma família”. Foi médico da Casa do Povo de São Matias por longos anos, e por isso dizia a propósito: “Se Beja é minha mãe, São Matias é minha filha”.

 

Esteve no serviço médico à periferia, base importante que suportou a criação do Serviço Nacional de Saúde. Fez parte do projeto da Escola de Enfermagem de Beja, que relaciono com enlevo, com a minha mãe, onde se fez enfermeira, depois de educar quatro filhos. Foi a tempo e valeu bem a pena.

 

No hospital distrital de Beja iniciou o ensino pós-graduado do internato de radiologia, formando 18 médicos radiologistas, por sinal diferenciados e com grande relevo à escala nacional. Esta era verdadeiramente uma das suas vocações.

 

Pelo Instituto de Clínica Geral da Zona Sul realizou vários cursos de formação radiológica para clínicos gerais. Recordo com saudade uma peça de um “Jornal de Domingo” na RTP, intitulada “Imagiologia Médica”, onde falava acerca das várias técnicas existentes neste campo e do uso da radiação como fator comum, dando ênfase à sequência lógica inerente ao diagnóstico médico e à eficácia dos exames da TAC e da ecografia.

 

Depois da sua reforma, não abdicou do seu legado e da sua profissão, continuando a exercer na casa de saúde da rua Capitão João Francisco de Sousa, n.º 14, posteriormente refundada como Instituto de Imagiologia Drs. António e João Covas Lima, e no Centro de Radiologia de Beja.

 

Foi um homem do desporto, mas também foi um homem de causas. Num e noutro lado, e perante a sociedade, foi magnânimo, por ser eloquente na explanação dos diferentes pontos de vista e por ser profícuo na procura da convergência de opiniões.

 

Pela facilidade que demonstrava na oratória e na escrita, colaborou com vários meios de comunicação de âmbito regional. “Rádio Pax”, “O ÁS” e no nosso “Diário do Alentejo”. Publicou livros: “Opiniões” e “Torre de (Ho)menagem – Crónicas de um Homem do Alentejo”.

 

Não esqueço o reconhecimento da sua terra, Beja, pela Câmara Municipal, Governo Civil e Hospital José Joaquim Fernandes, e ainda, pelo Ministério da Saúde, Sociedade Portuguesa de Radiologia e Medicina Nuclear e Ordem dos Médicos, esta última a título póstumo.

 

Era um perfeccionista imperfeito, somente porque não existe, nem nunca existiu, a perfeição.

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