Diário do Alentejo

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Luís Godinho, jornalista

29 de outubro 2020 - 15:30

Num texto que publicou no "Expresso", intitulado "O labirinto", Daniel Oliveira conta que a Câmara do Porto está há quatro anos a tentar mudar o sistema de semáforos, instalado em 1993, "com tudo parado em tribunais por causa da impugnação de um concorrente sucessivamente derrotado". O procedimento jurídico dá pelo bonito nome de "contencioso pré-contratutal", seja lá isso o que for. A verdade é que o "imbróglio jurídico" - assim apelidado pelo "Público" - arrasta-se desde 2016. "Basta haver uma trovoada no Porto para uma série de semáforos deixarem de funcionar”, conta o presidente da Câmara, Rui Moreira. Tudo normal, portanto.

 

Enquanto isso, Helena Garrido, no "Observador", lembra o caso da Escola João de Barros, no Seixal. "Este é um exemplo, mas pelo país fora há muitos outros, que mostram como o Estado se autobloqueia em processo dignos de Kafka". Neste caso, os alunos estão a ter aulas em contentores porque a empresa que deveria ter feito as obras de requalificação da escola (há 10 anos) entrou em insolvência, os trabalhos foram retomados mais tarde mas acabaram por ser novamente interrompidos “por litigância do empreiteiro e do dono da obra”, segundo explica o diretor da escola. Tudo normal, portanto.

 

Então e os comboios? Noticiámos no "DA" que a CP pode, finalmente, comprar 22 novas composições, incluindo 12 automotoras híbridas, i.e., que tanto podem funcionar a diesel como a eletricidade, e que tanto jeito darão para permitir assegurar uma ligação direta entre Beja e Lisboa, e até aumentar a oferta de comboios. Este concurso tinha sido ganho pela empresa suíça Stadler por 167,8 milhões de euros (meio milhão inferior ao preço base), mas uma outra empresa alegou um erro processual (que os tribunais dizem não ter existido) e ficámos a ver comboios durante quase um ano. Mais uma vez, tudo normal.

 

Como normal, normal mesmo, é a novela relativa à construção do novo tribunal de Beja, de que hoje voltamos a dar conta. Em fevereiro de 2019 foi lançado um primeiro concurso para a realização da obra, no valor de 4,9 milhões de euros. Problema: o concurso ficou vazio; não apareceu nenhuma empresa interessada em fazer a obra, pelo menos a esse preço. Novo concurso em setembro do mesmo ano: para que o tribunal fosse construído, o Estado dispunha-se então a pagar 5,6 milhões de euros. O resultado foi idêntico, nem mesmo a 5,6 milhões haveria obra. Um novo concurso, agora no valor de 6,1 milhões, talvez seja lançado em breve, ou talvez não. A verdade é que o tribunal continua a funcionar em condições precárias e em prejuízo dos cidadãos, ou seja, do interesse comum.

 

O que é que todos estes casos nos demonstram? São exemplos, entre muitos, que é pertinente a proposta de lei em discussão no Parlamento que visa definir medidas especiais de contratação pública e alterar o Código dos Contratos Públicos, com o objetivo de os simplificar e desburocratizar, aumentando a eficiência da despesa pública. E que deve ser acompanhada de uma fiscalização efetiva que impeça "práticas ilícitas de conluio".

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