Diário do Alentejo

Rei de um tempo perdido
Opinião

Rei de um tempo perdido

Vítor Encarnação, professor

01 de outubro 2020 - 21:00

Vou voltar aos sítios onde fui infeliz, vou regressar aos lugares onde não me deixaram demorar. Já decidi que vai ser assim, vou àquele tempo onde me deram pressa e não me deixaram ficar, vou tentar resgatar a felicidade, secar lágrimas, bater outra vez às portas que não me abriram, fechar janelas que ficaram abertas em vão, gritar onde houve silêncios, calar onde houve gritos, beijar onde não houve lábios, escrever palavras que ficaram em branco, apagar outras que nunca deviam ter sido escritas.

 

Não sei por onde começar, são tantos os lugares onde havia infelicidade, são tantos os dias as noites onde a tristeza era dona de tudo. Vou ter de escolher, não posso voltar a cada mágoa, a cada pena, a cada engano, não teria tempo de ir resolver as pequenas coisas do coração, vou optar pelas dores mais fortes, pelas maiores desilusões, pelos mais terríveis dores.

 

Essas estão todas gravadas na memória da pele e da carne, essas estão todas aqui enroladas na garganta. Não, não me vou vingar, não me sei vingar, vou apenas tentar reconquistar o castelo da desgraça, vou levar o que sei hoje, que pena não saber então o que sei hoje, vou pôr-me de frente para as muralhas, hei de conseguir passar o fosso e derrubar a porta desse tempo que me fez chorar. Quando entrar, se conseguir entrar, vou demorar-me o tempo que eu quiser e coroar-me-ei rei de um tempo perdido.

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