Diário do Alentejo

Os professores da minha escola primária
Opinião

Os professores da minha escola primária

Manuel Camacho, engenheiro

11 de agosto 2020 - 17:00

Falar dos nossos professores primários é uma tarefa fácil, pois eles eram na nossa meninice os “sábios” que tínhamos à mão, pois com eles convivíamos no dia-a-dia, estavam colocados no pedestal da sapiência para nós ainda inacessível… contudo eram feitos de carne e osso como nós.

 

Na nossa meninice, por razões mais que óbvias, quem nos marcava de forma mais imprecisa eram obviamente os nossos pais e alguns familiares que connosco partilhavam o mesmo aconchego do lar, tais como os nossos avós e eventualmente os nossos tios e tias. Quando mergulhávamos na escola, um novo mundo se abria, pois ali, para além dos nossos parceiros de aprendizagem, os professores começavam a entrar paulatinamente na nossa vida e, normalmente, acompanhavam-nos por alguns anos.

 

Na minha geração havia um grande respeito pelos professores, pois eles traduziam uma autoridade suprema, logo, a disciplina e o cumprimento dos deveres estavam sempre presentes, porque senão, espreitando os eventuais desvios, a famigerada régua de azinho (a palmatória) repousada e bem visível sobre a secretária, estava sempre disponível para atuar sobre os mais renitentes à disciplina imposta ou para satisfazer os caprichos dos mestres-escola mais aziagos.

 

Na minha permanência na chamada Escola da Avenida, tive como professor Francisco Palma Brito, mas por lá davam também aulas os professores Raposo, Herculano, Luís Bartolomeu e a professora Laurinda. De todos tenho as mais gratas recordações. Infelizmente, quatro já partiram, restando-me o convívio salutar e amigo do Luís Bartolomeu. À parte a professora Laurinda, que era uma senhora extremamente simpática e, pelo que me apercebi, de uma grande humanidade, os restantes tive a grande felicidade de conviver e tê-los como amigos, embora o professor Palma Brito se tenha finado ainda relativamente novo.

 

O professor Palma Brito transmitia uma imagem de homem austero, talvez porque a sua saúde debilitada assim concorresse. Só tive ensejo de entender o seu temperamento mais tarde, porque por vezes caímos no erro de julgar sem conhecer. Foi um homem com espinha dorsal ao abraçar causas nobres e sobretudo por ter, conjuntamente com a sua esposa, a professora Amélia, criado o ensino liceal particular em Aljustrel ao fundar o Externato D. Filipa de Vilhena em sociedade com o engº. Serrano.

 

O professor Palma Brito não falhava qualquer jogo do Sport Mineiro e, então, eu e alguns companheiros, como tínhamos o privilégio de sermos seus alunos, após os ditos jogos, abeirávamo-nos do seu carro para regressarmos à vila com ele, experimentando assim uma experiência que então era um autêntico luxo.

 

Relativamente ao professor Raposo guardo as mais gratas recordações, quer pela sua dimensão humana e da sua camaradagem, quer pelo papel que teve nos destinos do nosso concelho num período extremamente difícil, onde praticamente tudo havia para fazer, mas que ele, com a sua generosidade e bonomia, apesar das grandes dificuldades financeiras, conseguiu dobrar o “cabo das tormentas” e simultaneamente contagiar, especialmente muitos jovens, com a ambição de tornar o nosso concelho dos mais bem apetrechados do nosso País, para além do seu apego à justiça social. São sempre recordadas as boas horas passadas no seu convívio e a espaços com a sua companheira, a estimável professora Suzete.

 

O professor Herculano não foi meu professor e não tive o ensejo de colaborar com ele em qualquer área da minha atividade; mas era duma geração que privilegiava muito o convívio, obviamente sempre acompanhado com um copo e portador de uma indiscutível correção. Era uma referência permanente nas tertúlias do Café Aliança, afinal a sua segunda casa – o seu amigo Firmino Raposo que ateste esta afirmação.

 

Falar do professor Luís é uma tarefa mais difícil, pois ele certamente que vai ler este escrito, logo não me posso estender. Contudo, igualmente tenho a felicidade de ser seu amigo e da sua família e de nos cruzarmos frequentemente nas mais diversas ocasiões. Tal como o Raposo e o Herculano, é um adepto do convívio são com os seus amigos e simultaneamente transporta os ideais dos homens bons e solidários gerando uma cumplicidade por demais salutar e fraterna.

 

Nesta curta incursão poupo os meus leitores ao não relatar a existência de outros mestres-escola que foram autênticos torturadores de crianças indefesas, provocando-lhes traumas psicológicas devido aos seus maus-tratos e humilhações que perpetravam de forma gratuita. Desta forma, estes verdadeiros educadores que duma forma sintética aqui relatei ainda têm mais valor pelo seu humanismo e tratamento justo para com os seus alunos em contraste com os aludidos “formadores”.

Comentários