Diário do Alentejo

Testamento vital: nos dilemas éticos do fim da vida
Opinião

Testamento vital: nos dilemas éticos do fim da vida

Mário Beja Santos, jurista

20 de julho 2020 - 16:20

O testamento vital é um documento que a qualquer momento a pessoa que o preencheu pode revogar e em que manifesta antecipadamente a sua vontade, livre e esclarecida, quanto aos cuidados de saúde que deseja receber, ou não, no caso de, por qualquer motivo, se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal, e até por ter perdido a autonomia.

 

O livro “Testamento Vital, nos dilemas éticos do fim da vida”, publicado por J. Filipe Monteiro, médico, é uma expressiva viagem sobre as formas de pensar e agir no universo dos cuidados intensivos, onde em muitos casos os doentes hospitalizados no contexto de situações agudas acarretam problemas, e um deles é delicadíssimo, o da fronteira entre a distanásia (obstinação terapêutica) e a eutanásia (precipitar a morte por vontade do doente).

 

É uma narrativa que fala pela trajetória histórica, filosófica e religiosa, sobre o fim de vida de quem sofre de doença incurável e que pode até ter dores atrozes. Hoje há dilemas bioéticos, a tecnologia evoluiu de tal modo que se pode prolongar a vida a quem falta um órgão, por exemplo. A medicina intensiva é confrontada com situações delicadíssimas. J. Filipe Monteiro dá-nos o itinerário dessa medicina de cuidados intensivos e põe a questão de quem define a limitação terapêutica. “A medicina é uma ciência de probabilidades e não de certezas. A dúvida, por mais limitada que seja, é inerente à prática da medicina”.

 

Para o leitor interessado, é estimulante esta viagem pela civilização greco-romana e chegar à época contemporânea, onde um médico também é confrontado com direitos dos doentes como seja o consentimento informado, uma das bases do princípio da autonomia do doente. E levanta questões bem delicadas, como os obstáculos ao prognóstico e à limitação do tratamento: como interromper ou não iniciar tratamentos de suporte de vida; as bases filosóficas da obstinação terapêutica; o papel fundamental do envolvimento da família, relevante quando o doente está incapacitado, e casos há em que a família em si necessita de cuidados médicos; procurar conhecer os limites da intervenção terapêutica e o direito à dignidade no processo de morte; o profundo respeito pelas crenças religiosas do doente e qual a posição das instituições internacionais em todas estas situações de fim de vida.

 

E assim chegamos às diretivas antecipadas de vontade que tomam forma no testamento vital, a lei n.º 25/2012 de 16 de julho. O seu objetivo último é a preservação do princípio de preservação da autonomia do doente, como já se sublinhou atrás. “Um testamento vital explícito pode especificar com que medidas ou atitudes o doente estaria de acordo ou quais recusaria. A decisão pode incluir tratamentos como antibióticos, hidratação, alimentação, analgésicos, ventilação, transfusão sanguínea ou ressuscitação cardiopulmonar”.

 

A coroar estes objetivos está a possibilidade de uma pessoa ter uma morte digna e evitar tratamentos desnecessários para o prolongamento artificial da vida. Há outro princípio que não deve ser escamoteado, que é o de retirar o peso e a angústia da decisão aos familiares. O livro mostra como se elabora um testamento vital e conclui dizendo que parece limitar o angustiante dilema da obstinação terapêutica e é essencial ao cumprimento de todas as pessoas envolvidas. “O testamento vital não é uma solução mágica para o fim da vida, mas deve ser, da parte do doente, um exercício de cidadania que permite evitar muitos cenários de obstinação terapêutica e proporcionar uma morte digna”.

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