Diário do Alentejo

Uma reflexão sobre o toiro bravo
Opinião

Uma reflexão sobre o toiro bravo

Joaquim Grave, ganadeiro

13 de julho 2020 - 20:50

Esta reflexão que aqui vos deixo, não é mais do que um grito de alerta em defesa de um animal, o toiro bravo, que amo com todas as minhas forças e energia intelectual e, tristemente, vejo esquecido e atacado, resultado de uma ignorância que apedreja a história e a cultura portuguesa. Mas como incorrigível otimista que sou, sempre com a esperança que aqueles que governam este País o entendam, o percebam como um verdadeiro guardião da biodiversidade.

 

O momento que a tauromaquia vive é a todos os títulos dramático e para muitos profissionais é insustentável. Devemos compreender de forma clara o que enfrentamos, que tempos vivemos e o que está em jogo.

 

A globalização, que na essência me parece ter muitos aspetos positivos, matou ou feriu gravemente a cultura de identidade de cada país ou cada região. É doentio, do ponto de vista do humanismo, impor como progresso uma proibição ao outro, um repúdio aos toiros, à caça, à pesca, à relação homem/animal. A globalização na cultura é uma realização plena e completa de uma tendência que pretende uma única forma de sentir e perceber a vida. Planificar uma sociedade de religião ou não religião única, ou de moral única, ideologicamente homogénea é uma atrocidade para a própria cultura. Porque as culturas de cada lugar dão sentido às gentes, à história, à sociedade, às formas de relações humanas de cada lugar.

 

Mas, reconhecida que está a sensibilidade atual da sociedade para com os animais, há que compatibilizar e harmonizar o modo de pensar contemporâneo com a tauromaquia. E aqui temos um argumento de peso, uma razão vital. Não me canso de dizer que o futuro do toureio estará a salvo quando a nossa realidade ecológica imprescindível for conhecida, compreendida, aceitada e positivada pela sociedade portuguesa. As novas gerações internacionais sensibilizaram-se com um trabalho de sustentabilidade do planeta que a tauromaquia encerra e transporta dentro de si. Mas que se desconhece. Esta é a nossa arma secreta e, por muito que nos surpreenda, ninguém a conhece. Hoje não nos reconhecem como ecologistas, mas sim como mal tratadores de animais.

 

No caso do toiro bravo, a aspiração ecologista de que todo o animal habite o espaço próprio que exige a sua natureza cumpre-se de forma plena e podemos afirmar que o seu status é único no mundo, muito superior ao das reservas africanas de animais selvagens, uma vez que o ganadeiro de bravo complementa a sua alimentação em épocas de seca extrema e controla regularmente o seu estado sanitário em cumprimento das escrupulosas disposições europeias. A sua perigosidade converte-o em guardião dos bosques, neutralizando a incursão de caçadores e recoletores furtivos, pirómanos e turistas urbanos, dando, no entanto, hospitalidade e segurança a bandos de aves migratórias e outras espécies silvestres, muitas delas em perigo de extinção. Portanto, temos uma defesa de uma biodiversidade sempre atual e desejada.

 

As ganadarias de bravo contribuem na luta contra a alteração climática, porque os montados são sequestradores de CO2 e fontes produtoras de oxigénio. A criação do toiro bravo supõe ainda uma barreira contra os incêndios, porque a constante vigilância dos animais e as características de acesso às explorações dificultam a deflagração e expansão dos mesmos. E também evitam o furtivismo e limitam o acesso ao maior predador: o homem.

 

Como afirma Carlos Ruíz Villasuso, pode acontecer que o toureio não se mantenha pela arte do toureio, mas sim pela arte da ecologia. Que ninguém pense que pela cultura, pelo culto, chegaremos a um futuro melhor. O culto é o oculto. A cultura, hoje, significa tão pouco nesta sociedade que, se Manolete nos parece um personagem mítico saído de um quadro de El Greco, para a maioria social nova e manipulada que não sabe sequer quem foi El Greco, Manolete é só um tipo que matava animais. Ninguém já lê Lorca, seguem os passos de uma tal Greta. Vamos por aí, joguemos esse jogo social, porque aí ganhamos por goleada. A arte de bem tourear, como a cultura, é para paladares sensíveis, mas minoritários, sim, muito sensíveis. É uma arte culta.

 

O toureio, no atual panorama social e político, não se irá manter pelo homem, mas sim pelo animal: o toiro. Parafraseando Ramón García Aragón, o toiro bravo é uma força da natureza e sinónimo de liberdade. Não é um animal de companhia nem um peluche. É uma criatura impetuosa, forte e indómita que vive e morre segundo seu instinto natural. É sinónimo de liberdade, de horizontes e espaços abertos; natureza em estado puro. Além do paraíso em que vive, goza de privilégios que nenhum outro animal tem. O homem do campo vigia-o e cuida-o durante toda a sua existência. Ninguém ama mais o toiro bravo do que aquele que o viu nascer e o cuida. Cada toiro tem nome próprio e uma história familiar ao longo de gerações, não se trata de 500 ou 600 quilos de carne para o matadouro. Não é quantidade, é qualidade.

 

A ganadaria brava e o mundo rural em geral sofrem, atualmente, uma agressão brutal baseada numa falsidade e manipulação ao serviço de interesses espúrios e ditatoriais. Para eles, este animal e o paraíso natural onde vive nada importa em realidade. Utilizam-no somente para outros fins, porque não o conhecem nem o amam.

 

A ganadaria brava não pode acabar num túnel escuro de um matadouro, seria um final sórdido e humilhante, o sentido da sua vida é a lide que lhe dá uma dimensão heroica. O toiro bravo é arte e, portanto, também é cultura e é liberdade. A sua destruição é um massacre cultural e ecológico.

 

Devemos, portanto, anteciparmo-nos à possível jogada de bastidores políticos, cuja habilidade para mudar os direitos constitucionais a seu gosto, alguns políticos de uma escassa minoria parlamentar já demonstraram grande apetência. Por isto mesmo, os nossos direitos devem basear-se, mais para além de uma lei que existe, mas que incrivelmente não se aplica, não nos defende e que pode ser manipulável, deve basear-se dizia, numa realidade de um ecossistema, o ecossistema do toiro bravo, que tem uma relevância de primeira ordem a nível histórico, antropológico, cultural, social, turístico, económico, artístico e de meio ambiente em Portugal.

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