É tão íngreme a nossa rua, é cada vez mais longe a nossa casa, fica para lá das nossas forças, quisemos fazê-la perto do céu, não encontrámos sítio mais alto, pedimos que fizessem janelas grandes para as pessoas verem o nosso amor, dantes não nos cansávamos, dantes não era assim, a subida era mais suave, íamos e vínhamos quando nos apetecia, de mão dada, um braço por cima do teu ombro, um braço na tua cintura, eu esquecia-me do pão e lá ias tu outra vez, tu precisavas de sal e eu voltava as vezes que fossem precisas, a idade emprestava-nos umas asas para subirmos como se estivéssemos a descer, era tudo tão perto, agora vamos a custo, o tempo empinou a rua, o tempo afastou a casa dos nossos passos cada vez mais lentos, vamos alquebrados, as pernas estafadas, o teu braço agarrado ao meu a ver se não caímos, o teu coração e o meu em carne viva, paramos cada vez mais vezes, encostamo-nos um ao outro, pomos a mão no peito e sentimos o ar a fugir-nos da boca e a ir calçada abaixo, tentamos respirar o pouco que resta, fazemos mais um esforço, quem nos viu e quem nos vê, quem nos viu já morreu, chegamos cansados, abrimos a porta e pousamos o saco das compras, não nos podemos dar ao luxo de nos esquecermos de nada, vamos para a sala e sentamo-nos junto às janelas grandes, através delas as pessoas veem o nosso amor, só ele nos ajuda a subir uma rua tão íngreme.