Diário do Alentejo

Crise: Negócios que a covid-19 atirou por terra

22 de abril 2020 - 08:45

São donos de mercearias, empresários da hotelaria, cabeleireiros, proprietárias de lojas de vestuário. São profissionais da restauração, dentistas... profissões e atividades que tiveram de encerrar devido às medidas de contenção para combater o alastramento da covid-19. Com a crise instalada, os micro e pequenos empresários do Baixo Alentejo fazem contas aos prejuízos, viram-se obrigados a recorrer à lay-off e temem um futuro muito marcado pela incerteza, numa altura onde nem sequer lhes é possível antever o momento em que voltarão a abrir portas, e a retomar a atividade.

Texto: Luís Miguel Ricardo

 

Isabel Dias Horta explora, na Salvada e em conjunto com a filha, a “Loja da Bia”. Uma mercearia centenária que foi recuperada com a finalidade de promover produtos tradicionais e biológicos da região e, simultaneamente, criar um posto de trabalho. Para além de loja de proximidade, o espaço é também cafetaria e casa de chá. No domingo anterior à declaração do estado de emergência suspendeu a atividade, aproveitando a segunda- feira, dia de “descanso da casa”, para refletir sobre o futuro imediato.

 

“Temos vindo a adaptar- nos diariamente, tendo em conta o momento que vivemos e as necessidades dos clientes. Primeiro, começámos por fechar a cafetaria e ficámos a servir pequenas refeições pela janela, continuando com a venda do pão e a mercearia básica. A seguir, transformámos o balcão de petiscos em balcão de frutas e hortaliças. E agora atendemos um cliente de cada vez, dentro do estabelecimento, à porta fechada. Os mais apressados são servidos pela janela.” Revela-nos a Isabel, em jeito de caricatura, os pedidos corriqueiros da clientela da aldeia: “É só um macinho de cigarros.” E é pela janela, certamente, que sai o maço de tabaco para atamancar o vício. “Siga!” e “Quem está a seguir?” são frases que já se tornaram pregões dentro e fora da loja, circulando entre a merceeira e as pessoas que aguardam vez na impaciência da espera.

 

“Acompanhamos cada freguês à porta, como se fosse uma consulta”. Se a maior parte dos clientes é gente da terra, também existem os novos habitantes da Salvada, os emigrantes que vivem por cá, mas que sonham em estar por lá, nas suas terras de origem, junto dos seus. A esses, a “Loja da Bia” vende carregamentos de telemóveis, vende “pontes” para levar e trazer notícias, “pontes” para aconchegar as emoções de quem está longe.

 

“Tivemos alguma canseira com a venda do café e tivemos de suspender para evitar a aglomeração de pessoas e o consumo de outras bebidas. Após estas semanas sem servir café, estamos há três dias a servir em regime de “take away”. Vamos ver como corre. Se a malta se portar bem, pode ser que também regressem as raspadinhas”, diz Isabel Dias Horta, reinventando o negócio e ajustando-se aos novos tempos marcados pelas medidas de combate ao novo coronavírus.

“FECHÁMOS PORTAS”

Ana Chalaça é proprietária do Monte Chalaça, um turismo rural na vertente “casas de campo”, localizado no coração das planícies de Ferreira do Alentejo. Com uma oferta de alojamento de onze quartos, o Monte Chalaça é procurado, normalmente, por hóspedes que querem desfrutar da tranquilidade alentejana em ambiente familiar e acolhedor e, simultaneamente, desenvolverem experiências rurais e culturais, de que é exemplo o contacto com os animais da quinta pedagógica instalada no interior da unidade.

 

“No início de março começámos a funcionar com um plano de contingência. Preparámos um quarto para isolamento, gel desinfetante para as mãos, as colaboradoras passaram a usar roupa descartável, luvas e máscaras para a limpeza dos quartos, e colocámos cartazes com informação em todo o espaço. Porém, a partir da declaração do estado de emergência fechámos as portas, suspendendo as marcações, muitas delas contra a vontade dos hóspedes que faziam intenções de vir para cá na Páscoa. E entretanto, vamos avaliando a possibilidade de abertura total ou parcial conforme os pareceres da Direção-Geral de Saúde sobre a evolução da covid-19”.

 

Enquanto o regresso à normalidade não acontece, há que tomar medidas: “Neste mês de abril vamos pedir o lay-off para quatro funcionárias que estão em regime de contrato sem termo, aliviando assim a tesouraria da empresa”. Não há outro remédio. Para a retoma da viabilidade económica do espaço, Ana Chalaça conta com as muitas marcações que ainda tem ativas e com a fidelização dos clientes ao seu turismo rural, sobretudo durante o verão. O importante, para já, é que a pandemia seja controlada, permitindo a retoma da atividade económica.

 

BARBEARIAS E LOJAS ENCERRADAS

António, João e Bruno, pai e filhos, são proprietários de uma barbearia em Beja e de outra na Cuba. É em Beja, durante a semana, que trabalham António e João Serrano, naquela que afirmam ser a barbearia mais antiga da cidade, fundada em 1904. Na Cuba está o Bruno, na condição de funcionário, que ao sábado à tarde recebe o “reforço” do pai e patrão para fazer atendimentos por marcação. Bom, era assim até ao dia 14 de março, altura em que, por precaução e ainda antes da ordem governamental, decidiram encerrar os estabelecimentos em virtude da covid-19.

 

Para fazer face à paralisação da atividade e às despesas associadas à manutenção dos espaços, foi pedido que Bruno entrasse em lay-off, tal como sucedeu a mais de 500 mil trabalhadores portugueses - passou a receber dois terços do salário, dos quais 70 por cento pagos pela Segurança Social e os restantes 30 por cento pela entidade empregadora. António e João solicitaram apoio à perda de rendimentos, previsto para os trabalhadores independentes.

 

A reabertura dos salões acontecerá aquando da autorização por parte das autoridades competentes, estando previsto, como medidas de proteção de trabalhadores e clientes, o uso de máscara, luvas, gel desinfetante e atendimento por marcação, para reduzir ao mínimo o número de pessoas nos espaços. O fecho de portas foi também a única solução para Lélia do Rosário, proprietária de uma loja de roupa em Castro Verde. A “LM Closet” comercializa marcas nacionais de prestígio, o que encarece o produto e restringe o perfil de clientes a uma classe média e média-alta.

 

A atividade comercial está suspensa desde 16 de março, tal como a generalidade do comércio, o que deixou Lélia do Rosário e a colaboradora comissionista sem qualquer tipo de rendimento resultante da loja. A comerciante refere que ainda tentou promover as vendas online como estratégia para mitigar os prejuízos, mas garante que a intenção não surtiu efeito, pois, na sua opinião, as pessoas, nesta fase, estão pouco motivadas para a compra de bens não essenciais, e sobretudo quando “o valor é acima daquilo que se costuma pagar por produtos equivalentes, mas com menos qualidade”.

 

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COMIDA PARA FORA 

Empresário do setor da restauração, Alfredo Mestre explora a “Pizzaria Serpense”, em Serpa. Deixou de receber clientes, dentro de portas, a 19 de março, duas semanas depois de Portugal registar o primeiro caso de covid-19, mas manteve o serviço em regime de “take away”, com a opção de levantamento no restaurante ou entrega ao domicílio. Para qualquer das situações foram adotadas medidas de segurança que passam pelo uso de máscara, luvas e gel desinfetante, e quando a entrega é feita no estabelecimento, só pode permanecer no espaço um cliente de cada vez.

 

A suspensão da atividade principal, restaurante, e a redução de faturação, obrigou a restruturações momentâneas no corpo de colaboradores da pizzaria. Assim, dos quatro funcionários permanentes, dois ficaram abrangidos pelo regime de lay- -off e os outros dois mantêm-se no ativo, para dar resposta aos pedidos que chegam por telefone. Trata-se de um apoio estatal que Alfredo considera insuficiente face às necessidades e às despesas associadas à situação atual, não resistindo a fazer comparações com o auxílio de governos de outras latitudes.

 

“Na Alemanha é assim: para quem tem até quatro funcionários, o estado dá nove mil euros à entidade empregadora. Se tiver mais do que quatro, esse montante sobe para 15 mil euros”. Os planos estão traçados: até ao ao próximo dia 3 de maio, a pizzaria vai continuar a funcionar no regime de “take away”. Depois dessa data, fica a aguardar a autorização das entidades competentes para poder regressar à normalidade, contando com a consciência das pessoas, colaboradores e clientes, para a prevenção do contágio da covid-19.

 

CASACOS E CARTEIRAS FORA DO CONSULTÓRIO

Ana Luís Lampreia é médica dentista e exerce a profissão na Supermed, em Beja, onde também é diretora clínica, que disponibiliza também serviços de psicologia e terapia da fala. Eram cerca de 40 consultas semanais, abrangendo praticamente todas as valências. “A clínica encontra-se encerrada desde o dia 13 de março, por decisão inicial da direção clínica, antes do despacho do Governo e da comunicação da Ordem dos Médicos Dentistas nesse sentido, e que entraria em vigor a partir do dia 16 de março, inicialmente por 15 dias, e posteriormente prorrogado, continuando a atividade suspensa e as clínicas encerradas ao público, permitindo apenas o atendimento de situações excecionais e comprovadamente urgentes e inadiáveis, por todo o tempo que durar o estado de emergência”.

 

Dada a imprevisibilidade da duração da paralisação e para se “aguentar” financeiramente sem ter de abolir os postos de trabalho fixos, a clínica recorreu igualmente ao regime de lay-off. Neste momento, por opção, continua a atender as urgências dentárias, de acordo com o previsto na lei. Mas para as realizar em condições de segurança, foi preciso um investimento suplementar em equipamento de proteção individual e desinfeção, numa altura em que o mercado tem pouca oferta e os preços são alvo de especulação.

 

O atendimento acontece “respeitando o protocolo” definido pelas entidades de saúde, antecedido de um contacto prévio com o utente, a fim de aferir a real necessidade de atendimento presencial. Depois é efetuada a triagem de possível infeção por covid- 19. O tempo de atendimento tem de ter em conta o não cruzamento de utentes na clínica e a desinfeção de todos os espaços. A sala de espera conta apenas com o básico, desapareceram folhetos, brinquedos, jogos e livros, e não é possível aceder ao comando da televisão ou manter o funcionamento do ar condicionado.

 

Aqui, voltar à “normalidade” é um assunto delicado, pois trata- -se de uma profissão “no topo do perigo de contágio, porque a proximidade da cavidade oral e os aerossóis resultantes dos tratamentos não podem ser evitados”. Ao adiar do regresso, acrescem outros problemas, os problemas da sobrevivência económica de muitas empresas que dependem do funcionamento das clínicas de medicina dentária.

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