Diário do Alentejo

Cancro: Liga dá apoio psicológico a doentes do distrito de Beja

16 de janeiro 2020 - 11:20

A Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) criou em 2009 as primeiras unidades de Psico-oncologia com cobertura descentralizada a nível nacional. No distrito de Beja existem três: as unidades do Grupo de Apoio de Beja e das delegações de Moura e Mértola. Em pouco mais de três anos foram realizadas mais de 220 consultas, a cerca de três dezenas de utentes, entre doentes oncológicos e familiares.

Texto Nélia PedrosaIlustração Susa Monteiro

Entre setembro de 2016, data em que foi criada, e novembro último, a Unidade de Psico-oncologia do Grupo de Apoio de Beja da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) realizou cerca de 200 consultas, a três dezenas de utentes. Dos doentes que recorreram à consulta, 93 por cento eram mulheres, com uma idade média de 52 anos, 50 por cento tinham diagnóstico de cancro da mama e 50 por cento encontravam-se em fase de follow-up (acompanhamento), revela ao “Diário do Alentejo” Catarina Gaspar, a psicóloga que assumiu a abertura da consulta. Dos familiares atendidos, 75 por cento eram do género feminino, sendo que, destes, 37,5 por cento eram filhas de doentes oncológicas, com uma idade média de 54 anos.

A Unidade de Psico-oncologia do Grupo de Apoio de Beja da LPCC é uma das três existentes no distrito de Beja, a par das unidades da delegação de Moura da LPCC, inaugurada também no segundo semestre de 2016, e da delegação de Mértola, a funcionar desde fevereiro de 2017.

As primeiras unidades de Psico-oncologia da LPCC no País foram criadas em 2009 para “dar resposta atempada e de proximidade ao número cada vez maior de doentes, tendo em conta a incapacidade de apoio, neste campo, das unidades hospitalares existentes no País”. Numa década, segundo a LPCC, “foram realizadas mais de 45 000 consultas a cerca de 7 500 utentes, entre doentes oncológicos, familiares e cuidadores e profissionais de saúde”. E adianta: “A descentralização destas unidades tem possibilitado a proximidade de um corpo de psicólogos clínicos com os doentes e suas famílias em 45 concelhos”.

Estigma “é ainda grandeEm Moura, nos últimos três anos, foram realizados cerca de 20 consultas a duas pessoas: a uma doente diagnosticada com cancro da mama, com mais de 60 anos, e a um familiar de um doente com cancro do cérebro, também com mais de 60. Sofia Melo, psicóloga responsável pela consulta de Psico-oncologia, salienta, no entanto, que existem “mais doentes, familiares e cuidadores e profissionais que, mesmo necessitando, não procuram este apoio”. E avança como justificação para o número reduzido de utentes, o facto de existir “um desconhecimento da existência da unidade de Psico-oncologia, mas, principalmente, por receio de se exporem, tendo em conta que é um meio pequeno”. Segundo a psicóloga, “o sigilo é sempre assegurado, mas o estigma para a procura de ajuda psicológica é ainda grande”.

No caso de Beja, adianta Catarina Gaspar, “apesar das limitações iniciais associadas à disponibilização de um serviço novo e da sua divulgação, a consulta tem vindo a ter progressivamente mais procura”. A psicóloga realça, contudo, que a consulta de Psico-oncologia na LPCC “visa complementar os recursos existentes no Serviço Nacional de Saúde (SNS), procurando, assim, dar resposta a doentes oncológicos e/ou familiares aos quais o SNS não consegue responder”. É por isso que “a maioria dos doentes se encontra em fase de follow-up”.

 

À semelhança de Sofia Melo, Catarina Gaspar considera que “a procura [de apoio] é inferior às necessidades”. E aponta como um dos fatores “o facto de a consulta ser gratuita, o que pode levar a dúvidas quanto à qualidade da mesma”. Todavia, garante, “a gratuitidade da consulta deve-se ao trabalho voluntário de psicólogos qualificados e com formação em Psico-oncologia que disponibilizam o seu tempo e os seus conhecimentos, a título gratuito, às pessoas que procuram a LPCC”. Catarina Gaspar também é da opinião de que “o estigma associado à psicologia ainda condiciona o recurso à consulta por parte de doentes, familiares e até mesmo profissionais”. “Há muitas pessoas que se consideram pessoas fortes e, por isso, recusam este apoio, sujeitando-se a realizar todo um percurso desacompanhados. Todavia, o recurso ao apoio disponibilizado na LPCC ou noutras instituições não é sinal de maior fragilidade. Reconhecer a necessidade de conversar sobre o que sentimos, procurar alguém que nos ajude a pensar ou que simplesmente nos oiça, sem julgar, é um sinal de força e não de fraqueza. Só ao investirmos em nós conseguiremos vivenciar um momento difícil de forma ajustada”, diz.

Telma Graça, psicóloga responsável pela consulta da delegação de Mértola, diz, por sua vez, que “a expetativa seria que mais pessoas procurassem este serviço”. Para chegar “ao maior número de pessoas possível”, a delegação acabou por fazer a sua divulgação “das mais variadas formas, incluindo em todas as sedes de freguesia do concelho. Em quase três anos, a unidade de Mértola realizou cinco consultas, relativas a duas doentes, uma diagnosticada com cancro de mama e outra com cancro de ovários, com idades entre os 40 e os 65 anos.

Apesar “de não existir um número significativo de atendimentos”, Telma Graça diz que o “balanço é positivo”, porque deram “resposta a todos os pedidos que nos chegaram”. E porque “esta resposta existe no Serviço Nacional de Saúde, essencialmente, nas fases em que o doente de encontra em tratamentos”, as duas doentes que ocorreram à unidade de Mértola, diz a responsável, fizeram-no “numa fase pós tratamentos”. “Os próprios médicos encaminham os doentes para este serviço”, diz.

Segundo Catarina Gaspar, a maioria dos doentes oncológicos acompanhados pela unidade de Psico-oncologia do Grupo de Apoio de Beja tem conhecimento das consultas no Hospital de Dia de Beja e através dos voluntários do “Café com leite”, um serviço gratuito de apoio ao doente oncológico, que funciona de segunda a sexta-feira, das 9:30 às 11:30 horas. “Oferecemos chá, café e bolachas e muitas vezes uma palavra de conforto. É neste contexto de humanização que muitas vezes divulgamos os serviços prestados”, esclarece, concluindo que o trabalho desenvolvido pela unidade de Beja “tem sido positivo”. A consulta é assegurada atualmente pela psicóloga Elisabete Silva.

A importância da Psicologia no tratamento da doença oncológicaSegundo a LPCC, “para além dos fundamentais tratamentos médicos, é essencial que os doentes oncológicos tenham acesso a um minucioso acompanhamento psicológico ao longo de todas as fases da doença, que permita minorar as elevadas taxas de perturbações psicopatológicas que dificultam bastante o processo de recuperação integral destes pacientes”.

De acordo com os mais recentes estudos científicos realizados com doentes oncológicos, adianta a liga, verifica-se que a existência de um apoio psicológico especializado, para além de contribuir para uma melhoria significativa da qualidade dos doentes e dos seus familiares, potencializa uma diminuição do tempo de recuperação clínica, melhor perceção do controlo sobre a doença, diminuição das somatizações, redução de polimedicação, maiores índices de combatividade, adesão terapêutica mais adequada e diminuição dos índices de perturbações depressivas e ansiosas, “podendo, inclusive, conduzir a um aumento significativo do tempo de sobrevida do doente oncológico por estimular um melhor funcionamento do seu sistema imunitário”.

“O diagnóstico de uma doença oncológica é uma situação de crise para a pessoa diagnosticada e para toda a sua família. Após o choque inicial associado à transmissão do diagnóstico é necessária a readaptação do doente e da sua família a uma nova realidade. Nesta, constam as idas a consultas médicas, realização de análises clínicas, as horas de tratamento e os efeitos secundários dos mesmos, nomeadamente, a alopecia, que tem um impacto na aparência física dos doentes. Ao longo deste caminho vai ser necessário fazer várias adaptações. É aqui que surge a consulta de Psico-oncologia. É necessário haver um profissional que acompanhe e esteja disponível para ouvir o doente e os seus familiares, de modo a ajudá-los a gerir adequadamente as emoções despoletadas pelo diagnóstico e prognóstico da doença, pelos tratamentos e as limitações provocadas pelos mesmos. Assim, a consulta de Psico-oncologia pode ser um fator importante na adesão terapêutica”, conclui Catarina Gaspar.

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