Diário do Alentejo

“Escrevo sobre aquilo que me inquieta, que me perturba”

26 de outubro 2025 - 08:00
Carlos Campaniço apresenta o seu mais recente romance

Carlos Campaniço, 52 anos, natural de Safara, Moura

 

Estudou em Safara até aos 12 anos, tendo, posteriormente, continuado os estudos na Escola Secundária de Moura, na qual terminou o ensino secundário. Ingressou na Universidade do Algarve onde se licenciou em Estudos Portugueses – Línguas e Literaturas Modernas. Mestre em Cultura Árabe, Islâmica e o Mediterrâneo é, profissionalmente, programador artístico e produtor de eventos culturais.

 

Recentemente publicado, A Cinco Palmos dos Olhos é o novo livro do escritor Carlos Campaniço, nona obra literária do autor.

 

Como nos apresenta este seu novo livro?O cenário é uma aldeia alentejana e toda a ação se passa no Alentejo. A história deste livro começa nos pós-25 de Abril, no fim da Guerra do Ultramar, no período da Reforma Agrária. Pretendi explorar, essencialmente, os sentimentos de medo e euforia coletiva que se verificaram inicialmente e aqueles que ocorreram depois, numa altura onde a esperança e a alegria dos novos tempos coabitaram com o desânimo, por não se estarem a cumprir os ideais revolucionários. Numa época tão rica emocionalmente, tentei escrever como se acompanhasse várias personagens, dando a versão de cada uma sobre os acontecimentos. Conquanto haja personagens que se destacam, não há nesta trama um protagonista, um herói. A personagem principal é a própria aldeia e o seu devir. Os acontecimentos históricos, tão relevantes, são secundarizados pela vida diária e efervescente das personagens. 

 

Este Alentejo rural que apresenta nesta sua obra é a região que recorda pelos seus “olhos de infância”?Sim, é uma obra saída das minhas próprias memórias, dos meus “olhos”, se quisermos. Como em todos os meus livros (que os não considero históricos, mas de época), a História nunca se sobrepõe à imaginação do autor e à criatividade literária.

 

Essa memória do território é muito diferente da região que hoje se lhe apresenta?Do meu Alentejo, da minha aldeia, sobretudo, guardo duas memórias bem distintas: a de um sítio populoso, pejado de crianças, dinâmico, buliçoso, até; e, mais tarde, a de um lugar com pouca gente, quieto e anémico. Estas duas realidades estão presentes no livro e não por acaso.Há o Alentejo da minha infância e há o da vida adulta, na década de 90 – todos os esquecimentos e abandonos se agravaram desde essa data até aos dias de hoje.

Pretende esta obra, também, ser um exercício de “insurgimento” perante o aparente esquecimento de “Lisboa” à região?Pretendo que as minhas obras sejam um meio para a reflexão. Eu escrevo sobre aquilo que me inquieta, que me perturba. Sobre o esquecimento de Lisboa à região, e a todo o interior, deveria haver um movimento de fundo que exigisse aos governos o seguinte: sem acesso condigno à Saúde, às redes viárias, aos transportes públicos, ao policiamento de proximidade, os habitantes do interior do País deveriam pagar metade dos impostos, comparativamente aos habitantes do Litoral, aos quais o Estado não falha. Uma lógica de utilizador/pagador. Porquê pagar impostos por igual se não se usufrui com qualidade, nem integralmente, dos serviços básicos do Estado?

 

O que mais gostaria que este livro despertasse nos seus leitores?Gostava que esse livro ajudasse os leitores a compreender como se chegou aos dias de hoje, quando tivemos uma chance inigualável de construir uma outra sociedade. Melhor. José Serrano

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