Marta Cortegano, 48 anos, natural de Lisboa
É engenheira florestal, mestre em Gestão e Conservação de Recursos Naturais e curso doutoral de Ciências da Sustentabilidade. Ativadora de processos de desenvolvimento regenerativo no Alentejo, há 20 anos que coloca a sua energia na construção de estratégias colaborativas que visam impulsionar o potencial do interior e valorizar territórios aparentemente escassos de recursos. É cofundadora e uma das diretoras da Terra Sintrópica e coordenadora de projetos na Esdime – Agência para o Desenvolvimento Local no Alentejo Sudoeste. É mertolense de coração.
Marta Cortegano foi uma das vencedoras do Prima’s Woman Greening Food Systems Award, prémio internacional que reconhece e celebra o contributo notável de mulheres que têm desempenhado um papel fundamental na promoção de sistemas alimentares sustentáveis e resilientes na região do Mediterrâneo.
Quais os principais desafios relacionados com os sistemas alimentares com que as populações da região do Mediterrâneo se debatem?
Esta região debate-se com problemas complexos relacionados com o seu contexto climático, o aumento da extensão das zonas semiáridas, algumas áreas com elevada suscetibilidade a secas extremas, mas também o fenómeno da desertificação dos solos. Contudo, aspetos de ordem social e económica, como as migrações, as guerras, o crescimento dos movimentos populistas e da desinformação afetam direta e indiretamente o sistema alimentar, motivo pelo qual a Terra Sintrópica testa não apenas modelos técnicos, mas processos sociais e novos modelos mentais de organização e colaboração que envolvem pessoas locais e de todo o mundo.
O que considera que espelha o consumo de alimentos de má qualidade?
A simplificação e industrialização do sistema alimentar permitiu a acessibilidade a uma maior quantidade de alimentos em menor qualidade. Hoje, temos muitas variedades de cereais, vegetais ou frutas e uma concentração do sistema alimentar em meia dúzia de commodities (soja, trigo, arroz, batatas, milho e açúcar), ou seja, um sistema baseado em produzir calorias pobres e baratas em vez de nutrientes. Na ausência de legislação adequada, mas, principalmente, de educação alimentar, a verdade é que é mais barato comer alimentos nocivos, processados.
Como classifica a importância da educação alimentar?
É fundamental. E pode ser promovida por políticas públicas ativas que se baseiem na promoção e implementação dessa mesma educação “no prato”. As entidades públicas e as instituições particulares de solidariedade social gerem cantinas nas escolas, nos lares, nas instituições, que devem ser exemplo, contribuindo de forma ativa para a educação alimentar desde a infância, mas também junto das populações mais vulneráveis. Incentivar a compra de alimentos de época, com modos de produção agroecológicos, é fundamental.
A dieta mediterrânea prioriza o azeite como fonte de gordura. Pode o seu elevado preço colocar em causa o seu uso?
Isso já acontece, e é um bom exemplo da enorme distorção do funcionamento do sistema alimentar. Repensar o sistema e a soberania alimentar é fundamental, sem extremismos, mas com a enorme responsabilidade de perceber que os modelos económico e de sistema alimentar, que prevalece atualmente, pode não ser o único, nem o melhor, principalmente, num mundo que mudou a uma velocidade e de uma forma em que muito daquilo que julgávamos seguro, não é. Pensar muito além da sustentabilidade (na regeneração), cultivar a colaboração e plantar água, são três motes que a Terra Sintrópica dissemina e que foram premiados com esta distinção.
José Serrano