A Cooperativa para a Educação, Reabilitação, Capacitação e Inclusão de Beja – Cercibeja recebeu, no início do mês, o certificado biológico de produção de amêndoa, um marco importante para a instituição. A poucas semanas do surgimento das primeiras flores, o “Diário do Alentejo” foi conhecer o trabalho que os clientes têm desenvolvido, nos últimos anos, no terreno.
Texto Ana Filipa Sousa de Sousa
Embora o sol teime em espreitar, o dia amanheceu gélido. Os ramos despidos das amendoeiras e a erva alta à sua volta aludem à época inverniça característica desta altura do ano. Dentro de duas semanas, um novo grupo de formandos da Cooperativa para a Educação, Reabilitação, Capacitação e Inclusão de Beja – Cercibeja dará início a mais um curso profissional na área da agricultura e, consequentemente, a mais uma época de produção de amêndoa na instituição.
José Cascalheira e Jorge Valente, de 30 e 56 anos, respetivamente, foram dois dos clientes que na última campanha se dedicaram à manutenção do amendoal e que viram de perto o resultado do seu trabalho, ou seja, a produção de “cerca de 20 toneladas” de amêndoa.
“Quando cá estava ia com a roçadora cortar as ervas aí ao pé das amendoeiras, mas o que eu gostava mais era da parte da rega. Fui habituado a trabalhar no campo e, [por isso], quando vinha às 06:00 horas, adorava”, revela José Cascalheira ao “Diário do Alentejo”.
Em conjunto com Luís Miguel Vieira, engenheiro e formador na Cercibeja, os dois clientes recordam a última campanha e os dias em que viram o nascer do sol diretamente do amendoal.
“Estes dois meninos, às 06:00 horas, estavam despachados para os irmos buscar, porque apesar de, normalmente, só começarmos às 09:00 horas, no verão tivemos de fazer um horário diferenciado por causa do calor. E então eles vinham tirar a erva da linha, porque quando é feita a colheita os panos têm de encostar ao tronco e se a erva estiver muito alta perde-se muita amêndoa e muita colheita”, adianta o formador.
Jorge Valente, que ouve atento a conversa, também não esconde o seu contentamento em ter trabalhado para este bem comum da instituição. “O que mais gostava era de andar aqui [no amendoal] à vontade a acompanhar isto tudo, [porque] aprendi um pouco de tudo sobre agricultura. Gosto disto e sempre que precisarem venho aqui ajudar”, assegura.
O envolvimento dos clientes da Cercibeja em todo o processo de produção, desde a poda de manutenção à separação da casca do miolo da amêndoa e, posterior, embalamento ou confeção, faz com que vejam de perto os efeitos das suas atividades diárias.
“Neste caso, isto é um exemplo do comprometimento que eles tiveram também para connosco, porque viam que as coisas estavam a resultar e que valorizávamos o que eles estavam a fazer”, revela Luís Miguel Vieira.
A presidente da Cercibeja, Vera Neca, concorda. Este tipo de trabalho prático, além de ser uma forma lúdica de passar o tempo, é, essencialmente, uma maneira de “capacitar e apetrechá-los de conhecimentos para que, depois, lá fora, possam vir a desenvolver uma profissão, nomeadamente, “na agricultura, que é uma área em que, como sabemos, há muito trabalho na região”.
“Se eles amanhã forem para o amendoal, não vão estranhar os trabalhos que vão lá ser feitos. Não vai ser em modo de produção biológica, provavelmente, vai ter uma coisa que nós não utilizamos, que é o herbicida, mas o resto é tudo igual”, assegura o formador.
A valorização do produto
Nos últimos três anos, além da constante aposta na capacitação dos clientes através da agricultura, a Cercibeja dedicou-se a dar continuidade ao projeto inicial pensado para a parcela de amendoal plantada em 2018, ou seja, “transformá-lo em biológico”.
“Temos esta missão de apoiar os públicos desfavorecidos, mas, ao mesmo tempo, temos uma grande preocupação com tudo aquilo que são os recursos naturais, o ambiente, e tentamos sempre, dentro das nossas práticas, conciliar umas coisas com as outras”, revela Vera Neca.
Desta forma, segundo explica Luís Miguel Vieira, a 17 de dezembro de 2021 deu-se início à conversão com recolhas anuais de amostras de solos, folhas, amêndoa e colheita para estudo. “Através das análises vão confirmando, ou não, se estamos a cumprir com o que está no regulamento da agricultura biológica da União Europeia. Terminando todo o processo, em dezembro [de 2024] vieram cá fazer a última inspeção, enviámos os documentos em falta e a certificadora, no dia 2 de janeiro [de 2025], publicou no Traces [plataforma on line da Comissão Europeia] o nosso certificado de produção biológica no amendoal”, revela.
Para a presidente, este selo vem reforçar não só o empenho que a instituição tem para com as questões ambientais, mas, essencialmente, “valorizar aquilo que é a nossa produção e aquilo que nós vendemos em bruto”.
“Grande parte [da quantidade de amêndoa produzida] é vendida a outras empresas que tratam esse produto. Nós ficamos com uma pequena parte para trabalharmos com os nossos clientes do CACI (centro de atividades e capacitação para a inclusão) e fazermos a respetiva transformação, à semelhança do que acontece há muitos anos com a fava frita”, adianta.
Assim, esta nova certificação permite idealizar novos investimentos, nomeadamente, a adquisição de um trator e de uma máquina profissional para descascar “uma maior quantidade de amêndoas” e, consequentemente, aumentar a produção do produto final transformado.
“Pode ser que criando uma embalagem e tendo o produto como biológico o mercado o aceite melhor [e] seja mais fácil fazer o seu escoamento, porque, nós, para já, não temos capacidade técnica para fazer a transformação de seis hectares e meio”, assegura Luís Miguel Vieira.
“Esta é uma forma de obtermos retorno financeiro para podermos gerir aquilo que é a nossa missão”, conclui Vera Neca.