Texto | Aníbal Fernandes
Tal como há 50 anos, o último dia do ano foi uma terça-feira. Ao longo dos últimos 12 meses temos vindo, semanalmente, a tentar traçar um retrato, com base no que o “Diário do Alentejo” publicou, do ano de 1974, aquele em que, em Abril, Portugal recuperou a liberdade.Na edição do “Diário do Alentejo” de 31 de dezembro desse ano é publicada na capa – como habitualmente – a “Nota do Dia”, um texto não assinado, mas que refletia o posicionamento do jornal face aos acontecimentos da época.
Hoje terminamos esta viagem pelas páginas, notícias, reportagens e entrevistas publicadas durante o ano da Revolução dos Cravos. E, para terminar, nada melhor do que transcrever na íntegra o editorial do jornal na última edição desse ano: “O ano da nossa libertação”.
** *
“Esta noite à meia noite em ponto – sirva-nos a expressão do poeta – vai morrer um ano, um ano que, no caso português, recusa os tradicionais adjectivos usados para encerrar estes marcos etários da grande e irreversível roda do tempo, porque, na realidade, não foi um ano igual a tantos outros, um ano idêntico em tristezas e frustrações a muitos que o precederam nas últimas décadasEsta noite à meia noite em ponto a História escreve ponto final num ano que os anais de Portugal guardarão em destaque no rol dos mais decisivos acontecimentos que os integram.
Após a longa noite de terror fascista que, durante meio século, oprimiu o povo português, a liberdade voltou à terra portuguesa.Aconteceu ao raiar da aurora, aconteceu em 25 de Abril, aconteceu em 1974 e aconteceu de tão extraordinária maneira – cravos rubros nos peitos alegres dos militares em vez do vermelho do sangue de quem tomba – que o ano cujo ‘mandato’ agora expira, ano um da liberdade em Portugal, não poderá ser assinalado com a adjectivação inexpressiva e oca das crónicas de balanço escritas ao cair a última folha do calendário em anos anteriores.
1974 fica como marco imperecível na História e no coração de um povo subjugado por um governo de ditadura terrorista que enlutou este País, roubando pão, liberdade e vida a quem merecia por inteiro essa trindade consagrada no direito universal do homem.1974 não foi um ano qualquer, um ano como tantos outros de que nos despedimos sem saudade na esperança-sem-esperança de qualquer coisa, um dia, pudesse acontecer.
Vai morrer um ano esta noite à meia noite em ponto, um ano que abriu as perspectivas de um futuro justo para todos os portugueses, o futuro por cuja construção tantos lutaram e morreram.Esta noite à meia noite em ponto vai morrer um ano diferente, o ano da nossa libertação, o ano que levaremos connosco em cada ano que nos seja dado viver – e lutar”.