Diário do Alentejo

“A cultura do descartável produz graves iniquidades e desequilíbrios, sobretudo, o ambiental, mas também o social”

21 de dezembro 2024 - 08:00
Três Perguntas a Carlos Alcobia, diretor da associação Buinho

A propósito da recente premiação do projeto “Comunidade reparação Alentejo”, promovido pela associação Buinho, com sede em Messejana (Aljustrel) e pela Resialentejo – Tratamento e Valorização de Resíduos, na categoria de “Proteção do ambiente, desenvolvimento sustentável e ação climática” da Agência Nacional Erasmus + Juventude, o “Diário do Alentejo” conversou com o diretor da associação, Carlos Alcobia, sobre o conceito da iniciativa, a cultura predominantemente do descartável face ao arranjável existente e a perceção dos cidadãos que participam nos “Cafés reparação” quanto à sua incredulidade e desconhecimento quanto aos objetos reparáveis.

 

Texto | José Serrano

 

O projeto “Comunidade reparação Alentejo”, promovido pela associação Buinho, com sede em Messejana (Aljustrel), e pela Resialentejo – Tratamento e Valorização de Resíduos, que dinamizou a iniciativa “Cafés reparação”, venceu o prémio de melhor projeto de voluntariado da Agência Nacional Erasmus + Juventude, na categoria de “Proteção do ambiente, desenvolvimento sustentável e ação climática”. Que projeto é este?

A Buinho tem vindo a desenvolver cafés reparação, esporadicamente, em Messejana e Beja, desde 2021, e talvez por esse motivo a empresa de tratamento de resíduos urbanos Resialentejo nos desafiou para realizar oito cafés reparação, nos oito municípios abrangidos pela sua área de intervenção, em apenas uma semana – uma maratona. E foi isso que desenvolvemos, em conjunto com os nossos voluntários do Corpo de Solidariedade Europeu e outros colegas voluntários de reparação. Verificámos que este tipo de ação num território tão vasto como este não tinha ímpar em Portugal. Penso que devido a isso, e pelo facto de trabalharmos não só a sustentabilidade mas também a inclusão social, a Agência Nacional Erasmus+ nos distinguiu com este prémio.

 

Considera que existe, atualmente, uma cultura predominante do descartável face ao arranjável?

Sim. O grande desafio é o de mudar a perceção e a atitude do consumidor. Antes, face à escassez de recursos, havia soluções para reparar o que estava danificado ou que necessitava de ser adaptado. Mas hoje somos incentivados apenas a descartar, por vezes objetos perfeitamente funcionais. Os fabricantes não só promovem a cultura da obsolescência inevitável, como dificultam a reparação e a atualização. A cultura do descartável produz graves iniquidades e desequilíbrios, sobretudo, o ambiental (aumento exponencial da produção de detritos), mas também social, pois existem grupos vulneráveis que não possuem meios para a fácil substituição de aparelhos essenciais ao seu dia a dia. Essa iniquidade é sentida, sobretudo, em territórios como o nosso, junto da população mais envelhecida.

 

Tem encontrado, nas ações de sensibilização promovidas no âmbito dos “Cafés reparação”, alguma incredulidade dos cidadãos face à desconhecida facilidade com que um objeto pode ser reparado?

Sim, é muito habitual. Por vezes, aparelhos dispendiosos e perfeitamente funcionais são atirados ao lixo devido a um componente danificado, que custa cêntimos a substituir, a um cabo solto, uma reparação fácil, acessível a qualquer pessoa. Nem sempre é possível reparar tudo o que chega até nós num café reparação, mas nestes eventos ajudamos as pessoas a identificar os problemas, a entender como proceder à reparação de forma segura. Verificamos que quando alguém consegue reparar o seu objeto sente-se motivado para realizar outras reparações noutros aparelhos que tem lá em casa.

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