Ana Baião, natural de Lisboa
Estudou Cenografia no Instituto de Formação, Investigação e Criação Teatral e Fotografia. É fotojornalista desde os 20 anos, tendo iniciado a sua carreira no “O Século”. Passou pelas redações do “Diário de Noticias” e “O Independente” e colaborou com a “Associated Press”. A trabalhar no “Expresso” desde 2000, foi distinguida pela Assembleia da República, em 2004, com a medalha de ouro do 50.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Documenta, desde 2014, o cante alentejano.
Ana Baião lançou, recentemente, o livro de fotografia intitulado 10 Anos de Cante, que reúne duas centenas de imagens, recolhidas entre 2015 e 2024. A obra será apresentada no Centro Unesco para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, em Beja, no dia 17 de dezembro.
Como nos apresenta esta obra?Este livro apresenta uma recolha de cerca de duas centenas de fotografias, entre 2015 e 2024, de vários grupos representativos do “universo” do cante. Há imagens dos grupos mais antigos, dos mais novos, de grupos do Alentejo e da diáspora, na Grande Lisboa. Fotografei um pouco de tudo aquilo que anda à volta do cante – espetáculos, encontros de amigos, grupos masculinos e femininos, o cante espontâneo nas tabernas de Cuba, o cante em Nova Iorque, em Paris… Tento mostrar a abrangência deste património.
Tem raízes familiares no Baixo Alentejo. Revelou-se a construção deste livro um regresso nostálgico ao passado?Uma recordação que tenho, tinha eu os meus oito anos, é de acompanhar o meu avô Manuel, que era de Pias, às tabernas de Almada, onde ele viveu. Juntava-se com os amigos e cantavam à alentejana, à volta de um petisco. O avô punha-me em cima de um banco para eu ficar à altura deles. Essa memória, fortíssima, espoletou a busca das minhas raízes e foi, sem dúvida, a razão de querer conhecer sempre mais sobre o cante alentejano. E de querer dá-lo a mostrar.
Há nos grupos corais alentejanos uma pose maioritariamente estática nas suas atuações. É desafiante encontrar “novos ângulos”, de forma a contrariar essa “imobilidade”?Por vezes os palcos são, em termos visuais, muito “ruidosos”. Têm coisas atrás, as luzes não são as melhores, há muitos microfones… tenho de andar à procura do melhor ângulo, da melhor expressão, de uma pose que, embora estática, possa transmitir uma expressão forte, bonita. Numa taberna, num daqueles petiscos que os cantadores fazem depois dos espetáculos, torna-se mais simples fotografar, porque estou mais perto, tenho melhores ângulos e consigo-me “misturar” melhor, no momento.
Considera que uma imagem nos pode permitir “ouvir” o cante alentejano?Eu acho que sim, que uma imagem tem esse poder, e é isso que eu tento fazer. Na fase final de paginação deste livro mostrei-o a uma amiga minha, jornalista, que não tem raízes no Alentejo e que nunca deve ter ouvido um grupo ao vivo, mas que tem um olhar que eu admiro. Ela viu o livro e no final disse-me: “Este livro tem voz”. Fiquei tão feliz por ela me dizer aquilo. Foi o melhor elogio que podia ter recebido.
Depois de Cante, Alma do Alentejo (2017) e Cuba Cante, Tabernas e Talhas (2021), apresenta-nos este novo livro. Se lhe disserem que, pelo trabalho que tem desenvolvido junto dos grupos corais, é uma guardiã desta arte, sentir-se-á orgulhosa? Eu gosto de ter uma especial atenção em relação ao cante, porque o considero um traço cultural muito, muito forte. Sinto-me um bocadinho a trabalhar para a sua salvaguarda e, portanto, se me disserem isso eu fico muito orgulhosa. José Serrano