A epidemia da febre catarral ovina – tipo três – que atinge os rebanhos alentejanos parece ser mais forte do que se esperava e está a originar “uma grave crise financeira e económica” no setor. Todas as associações de produtores pedem mais apoio do Governo que, através do secretário de Estado, apelou aos agricultores para que declarem os casos para se poder avaliar “o verdadeiro estado da arte” de forma a “atuar em conformidade”, mas, ainda, sem anunciar o pagamento da vacina que é reclamada pelos proprietários rurais.
O Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos na Exploração (Sirca), operado pela associação ACOS – Associação de Agricultores do Sul, não tem tido descanso para recolher as ovelhas e borregos mortos nas explorações pecuárias do Alentejo.
Rui Garrido, presidente da ACOS e da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo, em declarações à “Lusa”, explicou que, “normalmente, o pico da recolha” acontece depois de agosto e, em anos anteriores, atingiu cerca de 400 animais num dia. Comparativamente, no passado dia 30 de outubro os serviços “tiveram mais de dois mil animais para recolher, cinco vezes mais do que em igual período do ano passado”.
Diogo Vasconcelos, presidente da Associação dos Jovens Agricultores do Sul (Ajasul), tembém ele criador de ovinos há duas décadas, diz “nunca na vida” ter assistido “a uma situação destas, nem parecida”. Apesar de não existirem dados oficiais, que são difíceis de apurar, uma vez que há “agricultores que não declaram [a doença] e os serviços não têm capacidade para analisar”, o dirigente associativo estima que entre 80 e 90 por cento das explorações foram afetadas.
Esta situação acontece quando “todos os rebanhos estão a fazer a sua maior parição anual e as perdas têm sido enormes”, afirma, salientando que, além da morte de ovelhas, a doença da língua azul também provoca o aborto e o nascimento prematuro de borregos. Com um efetivo de cerca de 650 ovinos, este criador alentejano, em pouco tempo, viu morrerem 30 ovelhas e mais de 100 borregos, que já nasceram mortos ou acabaram por morrer após a nascença, prevendo que ainda morram mais animais. “As ovelhas [que têm a doença], mesmo parindo, parem borregos prematuros, que não conseguem mamar e não estão desenvolvidos”, pelo que “grande parte deles acaba, infelizmente, por morrer”, salienta.
“Desinsetização” Entretanto, no final da semana passada, o Ministério da Agricultura anunciou que estava a preparar o reforço dos apoios às organizações de produtores face à doença da língua azul e iria investir num plano de desinsetização para travar a propagação da pandemia.
O ministério liderado por José Manuel Fernandes adiantou que este plano vai permitir evitar a propagação do serotipo três da língua azul, mas também de outras doenças transmitidas por insetos, como a doença hemorrágica dos bovinos, mas não foi revelado quando é que o plano vai avançar.
Antes, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) já tinha alertado que a febre catarral ovina, conhecida como doença da língua azul, está a provocar “uma grave crise financeira e económica” no País e reclamou a intervenção urgente do Governo. Em comunicado, a CAP disse estar a acompanhar “a gravidade do surto e os impactos financeiros crescentes” e exigiu a “maior urgência” da parte da tutela para minimizar “os custos para os produtores e [assegurar] a continuidade das explorações e a sua sustentabilidade económica”.
Também a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) propôs ao Governo uma campanha de vacinação gratuita dos animais e um apoio extraordinário aos produtores pecuários para conter a proliferação da febre catarral ovina. Em comunicado, a CNA refere que a doença já está “a causar prejuízos avultados nas explorações, não só do Sul mas também do Centro do País”, nomeadamente, Santarém e Castelo Branco.
A CNA diz, ainda, que os dados do Sirca indicam que “a evolução da doença está descontrolada e são necessárias medidas imediatas de controlo” e avisa que os custos com as medidas de contenção, nomeadamente, com a vacinação dos animais, associados à perda de rendimento resultantes das elevadas taxas de abortos e mortalidade de animais, muitos deles reprodutores, “são incomportáveis para a grande maioria das explorações com efetivos pecuários”.
Pelo seu lado, a Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confagri) também pediu ao Governo que adote medidas “céleres e concretas” para travar a doença da língua azul. “Dada a gravidade da situação epidemiológica, a Confagri apela a uma resposta urgente do Ministério da Agricultura e Pescas sobre as medidas de contenção da epidemia da febre catarral ovina/língua azul, especificamente, do novo serotipo três”, lê-se num comunicado divulgado à imprensa.
A confederação espera, assim, que o Governo adote “medidas céleres e concretas”, defendendo que a vacinação deve começar o quanto antes em todo o território nacional e com os custos suportados pelo Estado, para além da atribuição de uma ajuda financeira aos produtores afetados para mitigar os prejuízos e apoiar nos custos de tratamento.
A doença da língua azul já afetou, pelo menos, 279 explorações de bovinos e ovinos, sobretudo, em Évora e Beja, e provocou a morte de 1775 animais, segundo os dados disponibilizados pelo Ministério da Agricultura à “Lusa”.
Alterações climáticas Segundo os especialistas, este fenómeno foi potenciado pelas alterações climáticas que têm avançado no território nacional, principalmente no Sul. Em declarações à agência “Lusa”, Ricardo Romão, docente do Departamento de Zootecnia da Universidade de Évora e também médico veterinário, considerou que “as doenças vetoriais [só se transmitem através da picada do inseto] estão a aparecer com muito mais incidência”. “Sabe-se que é por causa das alterações climáticas”, pois “os vírus que normalmente circulavam no norte de África têm subido a latitude e acompanhado o aumento das temperaturas, nomeadamente, no final do verão e no outono”, referiu.
As atuais temperaturas são “propícias à transmissão de vírus”, e, segundo o docente, estão em circulação, pelo menos, três em espécies pecuárias, concretamente, além da língua azul, a doença hemorrágica epizoótica e o vírus do Nilo. “São todas doenças transmitidas por vetores, insetos, mosquitos, que não conhecem fronteiras e são muito difíceis de controlar apenas pela movimentação animal, porque não impede que os mosquitos progridam”, realçou.
O também médico veterinário disse esperar que “o vírus [da língua azul] vá desaparecendo com o frio”, que vai aumentar com o aproximar do inverno, porque o inseto que o transmite não suporta baixas temperaturas, mas previu que ainda vai continuar a circular devido às atuais condições amenas.
Aludindo a relatos de criadores e ao que tem visto em explorações, o docente adiantou que, quando a língua azul atinge um rebanho, muitos dos animais ficam infetados, admitindo cerca de 70 por cento, acabando por morrer 10 a 20 por cento.
De acordo com o médico veterinário, a vacina contra o vírus “é preventiva e não curativa” e deve ser aplicada apenas a animais que não estão infetados, porque não vai ser eficaz em animais que já tenham a doença. “DA” com “Lusa”
Oposição critica atuação do GovernoNo passado dia 31 de outubro, durante o debate do Orçamento do Estado 2025, a oposição criticou a ação do Governo para fazer parar a epidemia de língua azul. PS, PCP, Chega, Livre e PAN confrontaram o ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, que, no seu discurso, defendeu que, ao contrário do passado, o Governo está a simplificar e a pagar aos agricultores “a tempo e horas”, procurando conferir “estabilidade e confiança”. No que se refere ao Pepac (Plano Estratégico da Política Agrícola Comum), o primeiro objetivo passa pelo aumento do rendimento do agricultor e a renovação geracional, disse o governante. “O Orçamento do Estado passará a contribuir anualmente com 60 milhões de euros até 2029. A média do rendimento do agricultor passará assim de 81,7 euros por hectare para 126 euros, um aumento superior a 50 por cento”, completou. Quanto aos jovens agricultores em exclusividade, José Manuel Fernandes referiu que “passarão a receber 50 mil euros (aumento de 100 por cento)” e, por outro lado, ao nível da execução de fundos, apontou que, “no tempo dos governos socialistas, o valor anual de investimento executado entre 2016 e 2023 foi de 222,5 milhões de euros”, enquanto “para o período entre 2024 e 2029 será de 246,3 milhões de euros”, defendeu. Quanto à língua azul, nada.