Diário do Alentejo

Assinado manifesto “Água ao serviço do futuro”

09 de novembro 2024 - 08:00
Autarquias, empresas e associações querem água do Tejo a abastecer sudoeste alentejano e Algarve através do Alqueva
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

O manifesto “Água ao serviço do futuro” foi assinado, na passada terça-feira, no Santa Clara Country Club, em Odemira, por três dezenas de entidades: autarquias, empresas e associações do sudoeste alentejano e Algarve. A iniciativa é promovida pelas câmaras municipais de Odemira, Ourique e Aljezur e pela organização de produtores Lusomorango. O objetivo é reforçar o abastecimento do sudoeste alentejano e do Algarve a partir de caudais derivados do sistema do Alqueva, “nomeadamente, trazendo do Tejo a água que, em muitos períodos do ano, existe nestas bacias em excesso”, lê-se no documento com as propostas e reivindicações do movimento.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

O manifesto “Água ao serviço do futuro”, a que o “Diário do Alentejo” teve acesso, apresenta, segundo os promotores, “a solução para ultrapassar a realidade que se vive hoje e que se perspetiva para o futuro das regiões do sudoeste alentejano e do Algarve, relativamente à disponibilidade de água”, e que passa pela modernização dos “Perímetros de rega do Mira (PRM), no reforço da bacia do Alqueva (trazendo do Tejo a água que, em muitos períodos do ano, existe nestas bacias em excesso), seguida da interligação Alqueva – Mira (sudoeste alentejano) – Odelouca (Algarve) e que já se encontra ligada por túnel ao sistema Funcho – Arade, faltando a interligação à Bravura, também no Algarve”.

Esta solução, diz o movimento, permitirá “aproveitar um dos maiores reservatórios de água do País, a barragem de Santa Clara, tornando-o no ‘pulmão’ de água capaz de servir estas duas regiões e garantir a sobrevivência destes territórios”.

Os signatários do manifesto defendem que “esta interligação deve integrar a estratégia ‘Água que une’, iniciativa interministerial, cuja apresentação está prometida pelo Governo para o final de 2024”, e garantir novas fontes de água, em especial para as zonas mais afetadas pela seca nos últimos anos, como o litoral alentejano e o Algarve.

A solução agora apresentada, sustentada no estudo “Interligação Alqueva – Mira – Odelouca”, aponta, ainda, “como forma a racionalizar o investimento [cerca de 130 milhões no total], a instalação de um novo bloco de rega perto de Ourique, entre a barragem do Monte da Rocha e a barragem de Santa Clara, com cerca de três mil hectares e consumos hídricos da ordem dos 12 hm3/ano, o que permitirá viabilizar a atividade agrícola, nomeadamente, a pecuária extensiva, nesta faixa de território, criando um novo foco de dinamismo agrícola, agropecuário e mesmo industrial”.

O encontro contou com a presença dos autarcas da região, de Loic Oliveira, presidente da Lusomorango, de Álvaro Mendonça e Moura, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), e de António Ceia da Silva e José Apolinário, respetivamente, presidentes das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) do Alentejo e Algarve. Estava também prevista a presença de representantes da Somincor e da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (Ahresp). Na ocasião foram apresentados os estudos “Perspetivas climatológicas para o sudoeste alentejano e Algarve”, de Miguel Miranda, ex-presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), e “Interligação Alqueva – Santa Clara – Odelouca: Reforço do abastecimento do sudoeste alentejano e do Algarve com base em caudais derivados do sistema do Alqueva”, de Jorge Froes, especialista em engenharia rural.

 

Resposta estrutural

 

Marcelo Guerreiro, presidente da Câmara Municipal de Ourique, questionado pela imprensa, disse que “aquilo que se pretende é uma resposta estrutural para um desafio que une o Algarve e o Alentejo e que se enquadre numa estratégia nacional na gestão e uso da água”. Segundo o autarca, pretende-se “dar sustentabilidade ao território e garantir as condições para que o mesmo possa agarrar os desafios de desenvolvimento económico e social. É uma questão de coesão e a água é recurso essencial para a coesão e desenvolvimento dos territórios”.

Hélder Guerreiro, presidente da Câmara Municipal de Odemira, espera que o impacto obtido seja “a simples garantia de que a economia destes territórios pode continuar a crescer, a encontrar caminhos de desenvolvimento e de sustentabilidade territorial”. “Não há apenas um setor, são todos os setores que se associam à ideia de que é necessário termos uma solução fiável de fonte de água”, conclui.

 

Alterações climáticas

 

O manifesto recorda que “Portugal é um dos países do sul da Europa que mais sofrerá com o impacto das alterações climáticas” e constata que, “atualmente, estamos a ultrapassar os 1,5 graus Celsius mais rapidamente do que previsto no ‘Acordo de Paris’ sobre o clima”.

“Hoje, é evidente que a realidade como a conhecíamos mudou e o mundo enfrenta fenómenos climáticos extremos – como a seca prolongada e as inundações frequentes – que desafiam a normalidade e que exigem a ação eficaz e eficiente para garantir a sustentabilidade dos territórios, das economias, das pessoas”, lê-se no documento.

Por isso, “a disponibilidade de água é um dos maiores desafios que o mundo enfrenta e Portugal, em particular, nas regiões do sudoeste alentejano e do Algarve, não são exceção à realidade”.

Os registos disponíveis mostram que nas últimas duas décadas, a pluviosidade nestas regiões decaiu mais de 25 por cento, o que teve como consequência “a redução de água disponível para as mais diversas atividades, económicas”, chegando a pôr em causa “a capacidade de dispor de água para consumo humano”.

Acresce que “a falta de investimento nas infraestruturas de distribuição de água tem dado origem a sistemas obsoletos e ineficazes que, hoje, geram perdas anuais superiores a 40 por cento da água que transportam, como é disso exemplo o Perímetro de Rega do Mira”, revela o manifesto.

 

Captação de água no Pomarão gera dúvidas

 

É certo que o projeto para a captação de água no Pomarão com destino à barragem de Odeleite, no Algarve, está no outro extremo da região, no sotavento algarvio, mas o transvase de água do norte para o sul também é referido neste caso e levanta muitas dúvidas. No final de setembro, a “RTP1”, no programa “Prova dos Factos”, debruçou-se sobre a questão e foi ouvir os argumentos de autarcas, cientistas e ambientalistas. A Agência Portuguesa do Ambiente emitiu uma declaração favorável ao projeto, mas com algumas condicionantes, nomeadamente, a proibição de retirar água do Guadiana entre os meses de maio e setembro e no máximo de 30 hm3/ano, para salvaguardar o caudal ecológico. A EDIA, empresa gestora do Alqueva, em tempo oportuno, manifestou que “não corresponde à realidade a conclusão apresentada no ‘Estudo de Impacte Ambiental’ referente à existência de disponibilidades hídricas para a instalação de uma nova captação no Pomarão”. Também Rui Cortes, especialista em recursos hídricos da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), considera “que o rio não tem água suficiente para suportar este projeto”. E Erwan Garel, do Centro de Investigação Marinha e Ambiental do Algarve, está convencido de que “a vontade política de avançar com este projeto é muito mais forte do que os factos científicos”. Entre os autarcas, António Bota, presidente da Câmara Municipal de Almodôvar e da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal), diz que a solução apontada “não vai resolver o problema no longo prazo. Vai resolver um problema imediato, que poderá estender-se por mais 10 anos, e a seguir vamos ter, outra vez, falta de água”, acrescentando que “o Alqueva não vai ser solução para tudo. Existem compromissos e os espanhóis vão querer mais água e não vamos ter água para todos”. Mário Tomé, presidente da Câmara Municipal de Mértola, lacónico, lamenta que “em determinado momento alguém tenha idealizado este projeto”. Como alternativa, são diversos os que apontam a construção de uma nova barragem para abastecer Odeleite como a solução mais barata e sustentável a longo prazo. O custo do projeto atual está estimado em 61,5 milhões de euros financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

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