Diário do Alentejo

Alqueva

25 de outubro 2024 - 12:00
50 anos de Abril

Texto | Aníbal Fernandes

 

Entre a ideia inicial para a construção da barragem de Alqueva, em 1957, e o início do enchimento da albufeira, a 8 de fevereiro de 2002, pela mão do então primeiro-ministro António Guterres, passaram-se 45 anos.

Na altura, o agora secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) considerou tratar-se de “momento de rotura com os reduzidos volumes de investimento público no Alentejo”, que iria permitir evitar a desertificação e combater o despovoamento, funcionando como um “pólo de atracção” para a região.

Na edição de 22 de outubro de 1974, uma terça-feira, o tema teve destaque na primeira página do “Diário do Alentejo”, por via de uma decisão do III Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves, e que integrava, entre outros, Mário Soares (PS), como ministro dos Negócios Estrangeiros, Álvaro Cunhal (PCP) e Magalhães Mota (PPD), ministros sem pasta.

Rezava assim a notícia: “Um despacho dos secretários de Estado do Planeamento Económico [Vítor Constâncio], da Indústria e Energia [José Torres Campos], da Agricultura [Alfredo Esteves Belo] e das Obras Públicas [Amadeu Garcia dos Santos] determina a elaboração de estudos indispensáveis à decisão a tomar pelo Governo sobre o empreendimento da barragem de Alqueva, incluído no Plano de Rega do Alentejo”.

O documento explicava que “no âmbito do Plano de Rega do Alentejo, o empreendimento da barragem de Alqueva e dos canais de irrigação associados tem uma importância considerável, visto que permitirá dominar para rega cerca de 130 000 hectares, o que representa aproximadamente o dobro da área actualmente dominada. Trata-se, por conseguinte, de um investimento necessariamente vultoso que, segundo as atuais estimativas, atingirá 9,5 milhões de contos [a preços de 1973 – hoje cerca de 47,5 milhões de euros]”.

Mas as contas não ficavam por aqui: “A este montante, que se refere exclusivamente à barragem e canais de irrigação, há que juntar ainda o valor dos investimentos complementares a uma efectiva exploração para fins agrícolas dos terrenos irrigados, o que fará provavelmente subir o volume global do investimento para 13 milhões de euros [65 milhões de euros]”. Em 2022, o custo do empreendimento somava mais de 2,4 mil milhões de euros.

Na altura, o Governo alerta para o facto de “um projecto [daquela] ordem de grandeza não [poder] ser decidido sem que o seu planeamento permita uma verdadeira análise de benefícios-custos em termos sociais, que demonstre o interesse da sua realização e assegure, portanto, uma adequada racionalização das despesas públicas de investimento”, e concluía que “os estudos actualmente existentes e o estado de preparação do projecto não [permitiam] de modo algum realizar a referida avaliação” que era “completamente inexistente” e “necessário para o planeamento do aproveitamento agrícola dos terrenos irrigáveis “pelo que se [desconhecia], com um mínimo de rigor, qual o montante dos investimentos complementares necessários e quais os benefícios económicos e sociais do projecto, em termos de aumento do produto agrícola e dos efeitos de redistribuição regional e pessoal do investimento”.

Era isto, mas não só, uma vez que “a valorização atribuída à energia eléctrica a produzir pela barragem” estar desatualizada, “em virtude do recente aumento do preço do fuel alterar o custo de oportunidade da produção de electricidade”. “Não se encontra, também, estudado o problema do abastecimento de água ao complexo industrial de Sines a partir do rio Guadiana, que a ser realizado com subproduto do projecto, além de lhe aumentar os custos permite, também, imputar-lhe benefícios adicionais cujo cômputo é necessário fazer. Finalmente, não existem quaisquer estudos sobre a forma e condições de funcionamento do projecto”, lia-se no preâmbulo do despacho que concluía “que uma decisão sobre a realização do empreendimento de Alqueva só poderá ser tomada com base no conhecimento de todos os elementos referidos”.

Decidiu-se, assim, “a fim de acelerar” o processo criar “um grupo de trabalho interdepartamental encarregado de estimular e coordenar a realização, nos serviços competentes, dos estudos de base indispensáveis à decisão a tomar pelo Governo”.O resto é história. 

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